
O Sporting encontrou o seu Pote de ouro no final do campeonato. A época até começou em velocidade de cruzeiro e havia a crença de que podia ser uma temporada histórica, mas a saída de Ruben Amorim para o Manchester United complicou o cenário em Alvalade. Foram três treinadores que passaram pelo comando verde e branco, mas Rui Borges segurou as rédeas da equipa, mesmo com períodos de má forma e ondas de lesões.
Para toda a Europa, foi uma época atípica, de transição e de uma nova era: o novo formato da Liga dos Campeões veio trazer mais competitividade, mas também mais jogos. Juntou-se ainda a Liga das Nações e as habituais várias competições nacionais, aumentando ainda mais a carga física dos jogadores, dando azo a mais problemas físicos e lesões graves.
Hoje em dia, um jogador que atue ao mais alto nível em Portugal faz, em média, 70 jogos por época, contabilizando jogos entre clube e seleção (assumindo que o seu clube dispute as competições europeias e passe às próximas fases e que seja convocado regularmente para a sua seleção nacional) e parece que os clubes portugueses ainda estão a tentar adaptar os seus plantéis, que são curtos, a este fator.
Por conseguinte, tanto o Benfica como o Sporting enfrentaram vários problemas físicos ao longo desta época e Pedro Gonçalves, ou Pote, é um dos exemplos disso. O médio lesionou-se no último jogo de Ruben Amorim como treinador do Sporting a 10 de novembro e apenas voltou aos relvados em abril deste ano, perdendo praticamente a época toda.

Pote, sob o comando de Amorim, era uma peça chave do sistema, tanto a jogar como médio, como a “extremo por dentro”, atrás do avançado e descaído para a esquerda. Esta flutuação entre as duas posições condiz com as características de Pedro Gonçalves: por um lado, a capacidade de entender os momentos do jogo, isto é, quando tem que jogar a um ou dois toques e quando tem que pausar o jogo e prolongar o ataque. Por outro lado, e diria que é a principal valência do jogador, a relação que tem com a baliza. Com a sua lesão, o Sporting perdeu um jogador que tem a capacidade de ‘sacar um coelho da cartola’, mesmo em jogos menos bem conseguidos e um dos cérebros da equipa quando joga no meio campo.
Ainda assim, o ataque do Sporting demonstrou-se sempre demasiado prepotente para a Liga Portugal, muito por conta de Gyokeres, que termina a época na corrida pela Bota de Ouro. Além dos números absurdos do sueco, destaca-se também o envolvimentos dos extremos no ataque leonino. Tanto à direita como à esquerda, os extremos recebem por dentro e ‘oferecem’ o corredor aos laterais.
Baseando-se nesta ideia, Amorim sempre deu preferência em jogar com extremos de pé contrário, ou seja, um extremo esquerdo que seja destro e um extremo direito que seja canhoto; nem sempre foi assim com Rui Borges e Geovanny Quenda que o diga: desde a lesão de Pote que o ataque privilegiado por Rui Borges consistia em Quenda-Gyokeres-Trincão, sendo que Quenda jogou longe do seu corredor preferencial e onde rende mais.

A mais valia de um extremo fletir para o meio para receber a bola está na oportunidade que o jogador tem de receber, rodar e acelerar: Trincão faz isto muito bem, algo que Amorim defendeu mesmo quando mais ninguém o fazia. Geny Catamo, por outro lado, é jogador de ala e não de meio, também por isso terminou a temporada como ala direito. Quenda sente-se mais confortável de fora para dentro e pelo corredor direito, onde Trincão é intocável. Numa parte da época, o Sporting até acertou com o dinamismo entre Trincão e Quenda, na tentativa de dar o máximo de conforto possível a ambos, no entanto, Trincão quebrou fisicamente nos últimos jogos e Quenda atravessa um mau momento de forma.
Neste panorama, a melhor notícia que o Sporting recebeu foi o retorno aos relvados de Pedro Gonçalves. Assumindo a posição de Quenda, Pote recebe, enquadra-se e percebe os momentos do jogo: quando tem que jogar a um ou dois toques, quando deve acelerar, quando tem que jogar no espaço, quando deve ser associativo com os colegas ou quando deve pausar o jogo e prolongar o ataque. Pedro Gonçalves sempre se destacou mais pela relação natural com a baliza, mas a sua fase final da época vale pela recuperação do corredor central do Sporting e pela dinamização de Maxi Araújo, um dos nomes em melhor forma, ao momento, do conjunto de Rui Borges.
Se olharmos apenas para os números, Pote não veio mudar o ataque do Sporting, porque Gyokeres é inevitável desde que chegou a Portugal, mas Pedro Gonçalves veio mudar a forma como o Sporting ataca. Pensando mais como um médio e não como um extremo, deu ao Sporting a capacidade de prolongar mais os seus ataques e não ser tão ansioso no último terço, conseguindo controlar melhor o jogo e não permitindo ao adversário tantas transições- vale referir também que este papel de ‘pensador do jogo’ é por norma atribuído a Morita, que sendo baixa prolongada por lesão, realça ainda mais o papel de Pote.
Ao longo desta época, o Sporting reinventou-se sempre, mesmo durante ondas de lesões e momentos de má forma, a situação de Pedro Gonçalves é apenas um exemplo disso mesmo. Esta capacidade de se reinventar levou a que a equipa conseguisse manter-se consistente durante toda a época, especialmente desde que Rui Borges chegou, o que valeu o título de campeão nacional.