O sorriso que lança aos juízes parece simpatia de conveniência. Ergue os cantos da boca, levanta os braços e olha em frente já com a fugaz demonstração de divertimento desfeita. Se Simone Biles não levasse tão a sério o que está a fazer, não seria a mesma. Os ouros que conquista são medalhas de brio, de perfecionismo compulsivo na execução. E de expectativas sob as quais passou a ter rédeas.

2.912 dias depois de participar no último concurso all-around individual dos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, em 2016, Simone Biles voltou à prova que exacerba qualidades e expõe defeitos, que não deixa escapar mentiras. É um momento de crueldade em que as fraquezas num dos aparelhos limitam o brilhantismo que se pode ter nos outros. Em Tóquio, a norte-americana não participou neste evento, porque, antes disso, abdicou de continuar em competição.

Para encetar a panóplia de recalcamentos da ideia de que é uma das melhores de sempre, agarrou as pernas, rodou até ao seu condomínio em Saturno e aterrou como uma estaca. Quando recolheu à box norte-americana, a compatriota Sunisa Lee desafiou-a a olhar para o resultado. Tinha conseguido um 15.766 e disse: “Okay”.

Não, não foi “okay”. Pela primeira vez na matiné de glória, ofuscou os 10.000 cristais colados ao fato para afirmar que é uma estrela por si só.

LOIC VENANCE

E é mesmo, de uma constelação que indica a direção de um mundo só seu. Rebeca Andrade terá que lamentar o infortúnio de partilhar a mesma era de Simone Biles. Só assim a brasileira pode ficar satisfeita com a medalha de prata, porque também ela é especial. É o fosso aberto para as candidatas ao terceiro lugar – acabou por ficar para Sunisa Lee – que o justifica.

À entrada para o exercício de solo, Simone Biles destacava-se no primeiro lugar. Mesmo assim, teve as suas falhas, culpa da humanidade. Nas paralelas assimétricas, onde brilhou a italiana Alice D'Amato, não conseguiu ir além de um 13.733. A espessura da trave também nem sempre foi suficientemente ampla para que mantivesse o equilíbrio. Só que é o risco, a dificuldade, o constante abrir de portas para um novo nível quando as adversárias não chegam à maçaneta que a fazem ser especial. A excelência vista na Barcy Arena foi separada pelos avaliadores picuinhas (leia-se, juízes) que têm lupas nas vistas para detetarem o mais ínfimo pormenor.

MARTIN BUREAU

A olho nu, viu-se de seguida que o ouro lhe estava reservado.

Era Biles, a música e a medalha que se confirmava a cada harmonia corporal que aplicava no solo. A tensão que a encontrou nos saltos desapareceu no último exercício, em que arrancou os últimos 15.066 pontos aos 59.131 que amealhou (+1.199 do que Rebeca Andrade e +2.666 do que Sunisa Lee). Eram risos a cada pirueta, alegria a cada rodopio, um carrossel de divertimento. A melhor versão de Simone Biles está de volta. Afinal, nunca desistiu de a perseguir, mesmo que tenha dado um tempo à excelência, aquela que nunca a vai largar.

Simone Biles atingiu a nona medalha de ouro em Jogos Olímpicos, a sexta de ouro. Quando, já a festejar, retirou do interior do equipamento um colar com a figura de uma cabra (GOAT, acrónimo para “melhor de todos os tempos” em inglês) assumiu que sabe que posição tem na galeria dos imortais