
As ações falam por nós e o reportório de atos mirabolantes de Alexander Bublik num campo de ténis é de uma vastidão tal que o russo de nascença, cazaque de adoção, ficou com uma certa imagem atrelada.
Já foi à rede fechar pontos com o utensílio virado do avesso para tocar na bola com a pega da raquete. Bate serviços sorrateiros, batidos por baixo, como quem respira. Mais do que uma vez, a meio de um encontro, insistiu com apanha-bolas para que jogassem por ele, deixando-os fazer um serviço. Tenta pancadas por entre as pernas - o famoso tweener - amiúde, reverberando com o frenesim do público caso tenha sucesso, e mesmo se não o tiver. Refila quando os torneios lhe marcam jogos de manhã e não há muitos anos confessou “odiar o ténis com todo o coração”. E ainda o mês passado, enquanto defrontava Jakub Mensik, acercou-se da cadeira do árbitro e troçou do nível do adversário contra quem acabaria por perder.
Catalogar Bublik como um excêntrico ou extrovertido pecará por escasso. Movido por um talento imensurável, o jogador foi deixando, aos poucos, os seus gestos pouco tenísticos dentro da modalidade cheia de códigos bem comportados esculpirem a reputação de maverick, que traduzido do inglês será a descrição para alguém que foge à norma, aos padrões convencionais. Ao ser um tipo que se vende como desinteressado do ténis, pouco dado a regrar-se como um monge do profissionalismo, não surpreende que só na segunda-feira, aos seus 27 anos, tenha conseguido chegar aos quartos de final de Roland-Garros meros dias após se estrear na segunda semana de um Grand Slam.
A surpresa maior terá sido o quanto, pelos vistos, a façanha afinal lhe falou ao coração.
Vencido o último ponto da sua partida contra Jack Draper, um dos tenista mais em forma à entrada em Paris, o delgado cazaque, de pele esquálida, deixou-se cair estendido no chão. Levou as mãos à cara, soçobrando com o choro repentino, estendendo depois os braços na terra batida onde deixou estar o seu corpo prostrado pela façanha: acabara de derrotar o quinto do ranking ATP. Refeito desse momento, a emoção assolou-o de novo já de pé, ao tomar o microfone para falar no Suzanne Lenglen, segundo maior estádio de Roland-Garros, cheio de um público que demorou a deixar Bublik tomar a palavra.
Lá veio a emoção que fiando no professado pouco amor do tenista pelo ténis, não seria de esperar em Bublik. Perante o efusivo barulho e estrondoso aplauso vindos das bancadas, os olhos do cazaque enxaguaram-se e ele teve de segurar as lágrimas. Provavelmente, nunca obtivera uma reação destas em court e teve que suspirar antes de falar. “Sabem, às vezes na vida só temos uma oportunidade. Hoje senti que era a minha e não a podia deixar escapar. Este é o melhor momento da minha vida, ponto final”, desabafou no seu fluente inglês, com ares de língua mãe, imerso quase num pranto quando ainda há bem pouco tempo teve de relativizar o afinco que põe no ténis para se conseguir divertir.
Há cerca de um ano, Alexander Bublik teve o auge numérico da carreira, alcançando o 17.º lugar na hierarquia que mede os jogadores uns contra os outros. A sua estrondosa direita, aliada ao serviço bombardeiro e à fácil aptidão que tem para desencantar pancadas inesperadas estavam, por fim, a fazê-lo subir no elevador. Mas, arrancado este 2025, apenas ganhou dois dos primeiros 10 jogos do ano até março e caiu para o top 80. O problema, explicou já em Roland-Garros, surgiu quando atingiu o seu apogeu: “Comecei a fazer demasiados sacrifícios, a colocar demasiada pressão sobre mim. Baixar no ranking não teve a ver com má atitude ou falta de treino, foi o exato oposto. Tive um burnout por querer que os resultados aparecessem.”
Na prática, Bublik deu uma hipótese a ser como os tenistas que orbitam entre os 10 ou 20 melhores do mundo. Parou de beber, deixou-se de festas, deitou-se cedo, dormiu muito, tratou com pinças do que comia, acentuou as horas de treino e as cargas. “Pensei: ‘Ok, se fizer isto, isto e aquilo, e sou capaz de o fazer, se treinar mais e bater melhores direitas, os resultados virão.’ Não vieram. E então cheguei ao ponto de: ‘Porquê estar a sacrificar tanto? Para quê?”, desabafou, em Paris, após ganhar ao epopeico Henrique Rocha na terceira ronda. Alexander fez então as pazes com a tentativas, retornou a si e o ténis reconheceu a sensatez.
Igual a ele próprio, entre o Masters de Indian Wells e o Challenger de Phoenix foi a Las Vegas para três dias de descompressão, chegando à cidade do Arizona nem uma hora antes do seu primeiro jogo começar. A leveza resultou: chegaria à final do torneio, batendo Nuno Borges nas ‘meias’. Num estranho desenrolar de sensações, Bublik diz que largar os sacrifícios o fez “levar os jogos mais a sério”. Em Roland-Garros, recuperou de dois sets abaixo contra Alex de Minnaur, desculpando o início pesaroso por o encontro começar às 11h e “estar com sono”. Antes do duelo com Jack Draper, descreveu-o como “um lutador de UFC” devido ao físico do britânico.
O velho Bublik, desvairado e estouvado, estava mesmo de volta.
Provavelmente nunca será um dos melhores na consistência de resultados, ainda menos o tenista mais sereno no court, mas, por ser como é, o cazaque, de apenas quatro títulos conquistados, vai sendo dos que mais jornalistas atrai, por exemplo, para as salas de imprensa antes e após os seus encontros porque, mais vezes do que poucas, lá deixa intervenções frescas. “Podem ver-me a divertir-me na noite antes de um jogo, não irei abusar, mas sou uma pessoal sociável. Falto a um treino se não me sentir confortável. Sou super normal e os outros tenistas fazem-me sentir diferente. Se eu quiser dormir, durmo. Há quem ganhe 25 títulos, 100 milhões de dólares e queira mais. Para mim, isso é que não é normal”, opinou, também já em Roland-Garros.
Quem o espera nos quartos de final em Paris será Jannik Sinner, quase um antónimo em pessoa do que Bublik preconiza. Em busca do seu quarto título do Grand Slam, o metódico italiano, mouro de trabalho e treino, incansável na intensidade que coloca em cada jogo, encaixa noutro desabafo deixado pelo tenista que acumula barba entre o queixo e o pescoço: “Pensei que tinha de trata da minha dieta, para de beber, deixar de ir a festas, ser mais como um soldado profissional. Neste momento, todos os tenistas parecem robôs, são virados para a performance.”
O cândido Alexander Bublik sabe que é incapaz - não gosta nem se esforça para tal -, de “aguentar cinco horas e meia” em court, aliás ele fica “preocupado com a saúde” se chegar a tanto pois “provavelmente morreria”. Ele quer “ganhar aos melhores entre os melhores”, mas à sua maneira, sendo quem é. Logo, tem de “arranjar formas de os superar em jogo” porque vão sempre superá-lo “em trabalho e corrida”. O cazaque dos tweeners, dos serviços por baixo, dos winners tentados em situações-limite é assim de plena consciência: “Penso em como os posso vencer com o que tenho, e tenho muito no meu arsenal, às vezes tenho de recorrer pancadas loucas, ter isso na minha seleção, porque é a única opção. De outro modo, não o vou conseguir.”
O seu embate contra Sinner proporcionará o choque entre dois planetas contrastantes. Um campeão da nova era, quase inigualável na constância da intensidade, frente a um divergente que escolhe levar a carreira descontraidamente. Bublik não se considera diferente, apenas não quer viver as agruras necessárias para descobrir onde estão as fronteiras do seu potencial. “É a loucura que, em parte, as redes sociais nos impõem”, considera ele: “A de termos de ser a melhor versão de nós próprios. Não, temos simplesmente de ser nós mesmos.”
Em Roland-Garros, o cazaque voltou ao que realmente é.