
Depois de correr aos ziguezagues pelo relvado do Camp Nou com o dedo apontado para o céu e a inércia da gravata a desmanchar o traje de gala que usou na meia-final contra o Barcelona, José Mourinho levou o Inter à final da Liga dos Campeões, em Madrid. Estávamos em 2010 e, no jogo decisivo, a equipa do treinador português acabaria por ganhar o título contra o Bayern Munique. Desde aí, os nerazzurri nunca mais puxaram as orelhas ao troféu mais desejado.
O Paris Saint-Germain nunca se sagrou campeão europeu. Em 2020, em Lisboa, viveu o momento de maior proximidade com essa aspiração ao jogar a final contra o Bayern Munique. A derrota no Estádio da Luz acentuou o desespero de um clube que investiu milhões para conquistar um troféu inédito. É verdade que no clube francês já não há Neymar ou Mbappé, nomes sonantes do onze que alinhou na final realizada em Portugal. No entanto, Luis Enrique, o atual treinador, encontrou uma maneira de unir as ruínas de talento e fazer uma muralha num plantel com menos superestrelas.
Entre Inter e Paris Saint-Germain, há dois tipos de vontade de conseguir o troféu. Repetindo a presença na final de 2023, em que perderam diante do Manchester City, os italianos querem algo que a história já lhes deu três vezes, uma há 15 anos e outras duas na década de 60. Os franceses vão em busca de algo cujo sabor não conhecem. Quem vencer aquele que será o primeiro encontro de sempre entre os dois clubes, poderá orgulhar-se de sair coroado de uma edição da Liga dos Campeões também ela sem precedentes, na qual participaram 36 equipas e a fase de grupos foi substituída pela fase de liga que agrupou todos os participantes numa só classificação, um novo método de apuramentos para as eliminatórias.
Confronto de estilos
O remanescente dos clubes em prova parece ter sido escolhido para representar filosofias opostas. Nos primeiros oito jogos da Champions, referentes à fase de liga, o Inter sofreu apenas um golo, mesmo enfrentando Manchester City e Arsenal no momento mais precoce da competição. Dentro do possível, os nerazzurri fizeram um percurso obcecado por evitar loucuras, logo não deixa de ser irónico que a meia-final diante do Barcelona tenha caído na turbulência para a qual os catalães tantas vezes são capazes de levar os jogos (7-6 no agregado).
A lupa da plataforma estatística Driblab afugenta a equipa de Simone Inzaghi da liderança dos parâmetros ofensivos. O Inter é apenas a 19.ª equipa que mais remates fez por 90 minutos na Liga dos Campeões (11,3), atrás de Brest, AC Milan ou Sporting, que não chegaram aos oitavos de final. No entanto, estamos perante um caso flagrante de quão mentirosos podem ser dos números.
Ninguém chega à final da Liga dos Campeões sendo inofensivo como anunciam os golos esperados (1,3 - 15.º melhor da competição) do emblema da Seria A. A quantidade de passes por remate (38,1) expõe um estilo mais rudimentar, mas que acaba rentabilizado por quem está lá na frente ou não fosse Lautaro Martínez o jogador com mais golos por 90 minutos (1,01) na Liga dos Campeões.
A abordagem do Paris Saint-Germain é outra e leva mais passos até chegar à baliza. Com a tendência que a equipa de Luis Enrique tem para não perder o raciocínio durante o longo fio de pensamento que são as jogadas apresentadas, a consequência é a aproximação à baliza contrária. Nesse aspeto, o PSG está nos antípodas do adversário, sendo a segunda equipa com mais remates por 90 minutos (17,3), apenas superado pelo Bayern Munique. A presença de seis nomes no top-10 dos jogadores com mais passes completos, expõe a forma como o conseguem. Destaque para Vitinha que lidera a lista com 1146 toques para os colegas.
Por mais rebuscado que seja o futebol, há nele espaço para quem se empenhe em evitar que a bola esteja no adversário. O carteirista de Paris, João Neves, pode orgulhar-se de ser o quinto jogador com mais recuperações de bola (4,86) a cada jogo. Em comum, os portugueses têm a omnipresença já que João Neves (184,3) e Vitinha (180,2) são quem mais quilómetros percorreu na Liga dos Campeões, de acordo com dados da UEFA.
Encher a barriga ou matar a fome
O Inter pode inspirar-se em Mourinho e o treinador também não esquece as duas épocas em que esteve no clube. Quando o Special One passou por Milão, conquistou a Liga dos Campeões, a Serie A e a Taça na mesma época, sendo o único a fazê-lo ao serviço de uma equipa italiana. Esta temporada, a Liga dos Campeões é o oásis de um Inter que perdeu o campeonato para o Nápoles, foi eliminado nas meias-finais da Taça pelo AC Milan e também perdeu a Supertaça para os rossoneri.
O fetiche por segundos lugares é algo que não assiste ao Paris Saint-Germain que ganhou todas as competições em que esteve envolvido, podendo em Munique chegar ao quarto troféu da temporada. Na Ligue 1, sagrou-se campeão com 19 pontos de vantagem sobre o Marselha, segundo classificado. Na Taça, goleou o Stade de Reims por 3-0 na final. Nem o Mónaco impediu o PSG de se apoderar da Supertaça.
Na escala de dificuldade, o percurso dos finalistas da Liga dos Campeões não difere muito. O Paris Saint-Germain parece ter feito um estágio na Premier League já que, após ter terminado a fase de liga apenas no 15.º lugar e ter sido obrigado a derrubar o Brest no playoff, ultrapassou Liverpool, Aston Villa e Arsenal. O Inter poupou-se a uma eliminatória graças ao quarto lugar no momento inicial da competição. Daí para a frente, Feyenoord, Bayern Munique e Barcelona foram as vítimas dos comandados de Inzaghi. Um dos ardilosos caminhos terá sido em vão.