Miguel Moita trabalhou durante 15 anos ao lado de Leonardo Jardim por clubes como o Sporting, AS Monaco e Al Hilal. Agora, aos 41 anos, quer ser treinador principal.

– Chaves no destino: os primeiros passos e a ligação a Leonardo Jardim –

Bola na Rede: Onde surgiu a paixão pelo futebol e o bichinho para treinar?

Miguel Moita: Sempre gostei muito de desporto e adorava o estilo dos professores de Educação Física, então sempre me orientei para essa área. Quando entrei na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, há ali um chamamento. Sempre joguei futebol. Nesse momento, há alguns professores que tens que te dão uma visão diferente e isso acaba por me aumentar a paixão de querer seguir as pisadas. Professores, como Júlio Garganta, José Guilherme, etc…

Bola na Rede: Acompanhou o Leonardo Jardim durante cerca de 15 anos. Como começou esta ligação?

Miguel Moita: Essa ligação começou no GD Chaves. Numa primeira fase, ainda como observador, não estava na equipa técnica. Quando o Leonardo Jardim veio para o continente, veio terminar uma fase final, que poderia acesso a uma subida. Nessa altura, tínhamos um amigo em comum – o Bruno Pereira – o Leonardo perguntou ao Bruno se conhecia alguém que o podia ajudar nesta fase. Deu o meu nome e comecei assim a fazer análise e observação. No ano seguinte, ele ficou no GD Chaves e há ali uma série de situações de treinadores assistentes que saem e acabem por não ficar. Surgiu assim a oportunidade de avançar.

– Das subidas de divisão, ao estrangeiro e ao Sporting de Bruno de Carvalho –

«Fomos despedidos em janeiro, em 1.º lugar com 3 pontos de avanço. Considerámo-nos campeões, metade do trabalho estava feito»

Bola na Rede: No Braga, conseguiram a segunda qualificação da história do clube na Champions League. Como olha para esse momento?

Miguel Moita: Primeiro, dizer que subimos de divisão no GD Chaves e no Beira-Mar, acaba por ser marcos importantes. São dois anos que projetam um pouco a nossa carreira. No Braga, tínhamos um grupo fantástico, um misto de jogadores novos e mais experientes. Um grupo de brasileiros fantásticos: Alan, Mossoró, Lima, Paulo César… Ainda tínhamos o Ukra, Nuno Gomes, Ruben Amorim. Acima de tudo, tínhamos um grupo de bons homens. O Braga também tem uma estrutura muito boa, foi a nossa primeira experiência num clube com uma estrutura já muito profissional. Juntando isso à nossa forma de trabalhar e da liderança do Leonardo, foi um ano fantástico, onde conseguimos a tal qualificação.

Bola na Rede: Seguiu-se o Olympiacos e a primeira experiência no estrangeiro. Como foi a adaptação e quais as maiores diferenças para Portugal, a nível de condições, qualidade de campeonato e país?

Miguel Moita: A adaptação… gostei muito de viver na Grécia. Sou uma pessoa que se adapta facilmente a outros contextos. Este foi o primeiro contexto diferente e não senti grande problema nisso. A grande diferença era a língua e isso, em termos profissionais e no dia a dia, mesmo com um tradutor, acabava por ser uma situação que nos fazia pensar mais. Nem todos falavam inglês e tínhamos um tradutor de espanhol para grego, já se perdia um pouco da mensagem. Nos exercícios e no treino, acredito que não fosse tão importante, mas na ótica de passar uma mensagem, um objetivo, era um pouco mais complicado. Sentíamos que a emoção do treinador não era, por vezes, passada. A língua era assim um pequeno entrava. Em termos de campeonato, sentia, na altura, que era um campeonato mais desequilibrado que o português. O Olympiacos era, de facto, o maior clube e havia um mau momento do Panathinaikos, o que acabava por criar um fosso para com as outras equipas e conseguimos aproveitar isso. Tínhamos também estruturas muito boas, uma academia boa e até tínhamos sítio para descansar. Conseguimos chegar a dezembro, com 10 pontos de avanço sobre o segundo lugar. Depois, havia interesse de dirigentes em que colocássemos jogadores a jogar mais e o Leonardo não alinhou nisso. Foi uma das razões pelas quais saímos, acredito que haja mais. Fomos despedidos em janeiro, em 1.º lugar com 3 pontos de avanço. Considerámos-mos campeões, metade do trabalho estava feito.

Bola na Rede: Voltaram ao Sporting. O Sporting, como sabe, vivia uma fase complicada depois do 7.º lugar. Como estava o ambiente no clube?

Miguel Moita: De facto, tinham ficado em 7.º lugar e havia uma série de jogadores que não estavam muito contentes com a dinâmica e como tinha corrido a época. Lembro-me da situação do Schaars, médio de pé esquerdo e na altura era um jogador que queríamos que ficasse. Ele não quis ficar, que tinha ofertas do país dele e saiu. Havia muitos que queriam sair para outros patamares, porque pensavam que poderia ser um ano parecido: muitos treinadores a entrar e a direção ainda não estava estável. Relembrar que era o primeiro ano de Bruno Carvalho, entrou a meio da época anterior e começou esse ano connosco. Sentimos que o clube não tinha grande capacidade financeiro, comparando com o Benfica e mesmo FC Porto. Aproveitámos jogadores que estavam emprestados: Cédric Soares, Adrien Silva, William Carvalho, por exemplo. Usámos também jogadores da equipa B, que não jogaram tanto, mas foram importantes, como Rúben Semedo e Carlos Mané. Eric Dier ainda jogou bastante. Fizemos algumas contratações, como o Montero, Slimani e o Jefferson, e criámos um bom equilíbrio. Potenciámos jogadores que seriam de Seleção. Tínhamos um bom grupo e tínhamos semanas fantásticas. Muitas vezes, almoçávamos juntos na academia e havia uma dinâmica engraçada quando alguém se portava mal ou chegava atrasado. O jogador que cometia a infração trazia frango ou alguma coisa assim para todos e criava um bom espírito. Havia também momentos, em que não havia nenhuma infração e o Marcos Rojo, por exemplo, comprava na mesma o frango e ficávamos lá.

– O Salto para o AS Monaco e a Ligue 1: Despedido, mas não Esquecido –

«A mesma pessoa que me despediu voltou a contratar-me, porque o Leonardo disse que teria de fazer parte da equipa técnica»

Bola na Rede: Como foi o salto para uma liga como a Ligue 1?

Miguel Moita: Fizemos uma boa época e ficámos em 2.º lugar. Já disse isto, acho que o Bruno Carvalho teve a importância de ter um discurso mais agressivo, mais forte, de batalha contra os outros dois grandes. Parecia que o clube estava adormecido e, com Bruno de Carvalho, ganhou outra dimensão e as pessoas perceberam que o Sporting ia estar na luta e mais ativo. Acho que foi inteligente a escolher o treinador. O Leonardo é alguém que gosta de organizar as suas equipas, um modelo de jogo equilibrado (que não privilegia só o ataque e gosta muito da organização defensiva, mas que acaba por ser muito agressivo e objetivo na forma de atacar). Depois, também é uma pessoa que tanto pode ser um pai – uma pessoa que dá pancadinhas nas costas e se for para dizer bem, diz bem – como pode ser alguém que castiga. As equipas precisam de alguém que consiga nivelar isto. Tudo isto acabou por terminar num ano fantástico.

Bola na Rede: Já contou que foi despedido no ano antes de o AS Monaco ser campeão. Como foi viver essa saída inesperada?

Miguel Moita: Na altura, pensávamos que seria um projeto megalómano. Foi uma coisa em grande, mas, na altura, era para disputar os campeonatos com o PSG, um investimento milionário. Quando chegámos, percebemos que houve um divórcio do presidente, que acaba por afrouxar o investimento e o projetou mudou de rumo. Passou para ser um projeto para formar jogadores, potenciar, vender e reestabelecer a parte financeira do clube. Temos o caso do Radamel Falcão – que é o mais enigmático – e não acaba por ficar connosco logo. Foi emprestado ao Manchester United e ao Chelsea, porque o clube não teve capacidade para pagar o ordenado. Surgem outros jogadores, como o Lemar, o Bernardo Silva. O Mbappé estava na academia e aparece depois. Tínhamos também jogadores experientes que ficaram: o Ricardo Carvalho, o Toulalan. Conseguimos ter um equilíbrio entre jogadores novos e mais experientes. O Bernardo, lembro-me, teve algumas dificuldades iniciais, vinha do Benfica B (quase sem jogar na equipa A). Sabíamos que ele tinha qualidade, mas faltava ele também adaptar-se um pouco à Liga. Uma liga mais física, mas boa e muito competitiva. O PSG estava, claro, noutra dimensão e tivemos sempre de combater isso. Tínhamos a nossa forma de trabalhar, afinámos agulhas e aí foi um contínuo.

Bola na Rede: Qual o sentimento em ver o AS Monaco a ser campeão, depois de ter ajudado para tal, mas ao mesmo tempo ser despedido dessa forma?

Miguel Moita: Foi uma frustração, se dúvida. No momento, senti-me muito injustiçado, mesmo o clube tendo cumprido tudo em termos financeiros (tinha dois anos de contrato), e fiz questão de deixar isso saliente ao Leonardo Jardim. Mais tarde, também fiquei a pensar que são estas na vida, que às vezes nos deixam mais fortes e a vida não acaba aqui. Fiz-me à vida e continuei à procura de trabalho, sempre com aquilo que o Leonardo me disse em mente: que um dia se saísse e voltasse a entrar noutro clube, que não se esquecia de mim. Eles foram campeões, mas depois as coisas começaram a correr mal e o Leonardo foi despedido. Ironia do destino, o Thierry Henry teve três meses no clube, despediram-no e voltaram a contratar o Leonardo. A mesma pessoa que me despediu voltou a contratar-me, porque o Leonardo disse que teria de fazer parte da equipa técnica.

Bola na Rede: Como lidou com esse facto: ser despedido e recontratado pela mesma pessoa?

Miguel Moita: Acaba por ser tudo muito natural. É quase um mundo empresarial, onde não há muito espaço a sentimentos. Meter um pouco as emoções e o coração de parte e viver as coisas de forma racional e depois é trabalho. Foi um momento importante para mim, porque volto ao ativo e a fazer o que gosto. Era o mais importante naquele momento, a relação com a pessoa em si é uma pessoa que está longe. O vice-presidente. A relação era apenas com o Leonardo, por isso não era nada que fosse constrangedor no dia a dia.

– A Mudança para o Médio Oriente e o Fim de Ciclo –

Bola na Rede: Depois veio a experiência no Médio Oriente, que hoje em dia tem atraído inúmeros jogadores e treinadores. Como foi o choque cultural e desportivo?

Miguel Moita: O choque cultural é o mais impactante. Pelo menos, numa fase inicial, porque as coisas são realmente todas diferentes. A religião muda a forma de vida deles, como por exemplo o Ramadão. Altera as dinâmicas. No entanto, como qualquer emigrante que vá para um sítio em que não é o nosso e existem determinadas regras, leis e cultura mais fortes, temos é de nos adaptar e viver a nossa vida de uma forma normal, tentando adaptar-nos. Quer gostemos ou não, mas isso nunca se pôs em causa. Gostávamos todos de absorver um pouco da cultura e tentávamos integrar-nos um pouco, é uma coisa boa.

Bola na Rede: Naquela altura, em que ponto estava o futebol do Médio Oriente (a nível de infraestruturas, organização e qualidade) e se já sentiu um projeto em ascensão?

Miguel Moita: Hoje em dia, ouvimos muitas vezes o Jorge Jesus dizer que a Liga Saudita está equiparada a algumas das Europa e até diz que é melhor do que Portugal. Acredito que ela agora está muito melhor. No nosso tempo, foi o ano de viragem. Ainda não tínhamos a regra que nos permitia colocar mais estrangeiros nos jogos locais da Liga. Só podiam ser utilizados na Liga dos Campeões. Os clubes saíam a perder e era um contrassenso. Mudaram isso e só tiveram a ganhar. O jogador saudita é o melhor do Médio Oriente, é melhor do que o Emirato e o Catari. São jogadores que têm mais escolas e há muitos sauditas. Há também assim mais competitividade. É muito importante para o aumento da qualidade. Desportivamente, é uma Liga em que tem uma supremacia do Al Hilal e Al Nassr, depois havia o Al Shabab e o Al Ittihad a intrometer-se. Havia depois equipas que não tinham tantas condições, mas uma liga interessante que cresceu nos anos seguintes. Sentia que era um clube [Al Hilal] muito exigente. Ganhámos a Supertaça e a Liga dos Campeões. As coisas não estavam bem no campeonato, por várias razões. Houve jogos que não fomos felizes e estávamos no 2.º lugar, a quatro ou cinco pontos e o clube optou por mudar. Um clube exigente que está sempre à procura de mais e mais, tanto que vimos agora o Jorge Jesus ser despedido. Quando me falavam do Al Hilal, diziam me estar no paraíso. Noutras cidades, era muito pior. Entrando na Arábia Saudita, achamos que falta estrutura e organização, mas depois vai-se para os Emirados e para o Catar e é sempre a descer. Acredito que na Arábia Saudita esteja melhor e que estão a desenvolver os departamentos. Dizer também que fomos campeões nos Emirados Árabes Unidos. Foi um título que já não estava nas funções de analista e teve um sabor especial. Fui analista até ao Al Hilal, sempre com funções de campo. Nos últimos anos, estava com assistente de campo, trabalho técnico, tático. Fomos campeões e foi muito intenso e interessante.

No Al Rayyan, depois da subida do 9.º para 2.º e o apuramento para a Champions Asiática, foram afastados. Referiu que a forma como trataram os assistentes não foi correta e que avançou com uma ação na FIFA. Pode explicar melhor o que aconteceu e como se deu esse processo?

Miguel Moita: Nessa altura, o Al Rayyan resolveu rescindir com o Leonardo. O Leonardo, por várias razões, aceitou o que eles ofereceram. Nós tínhamos mais um ano de contrato enquanto assistentes e o nosso contrato não era o mesmo do que o do Leonardo. Fiz de tudo para me manter, tinha a minha família comigo e as minhas filas já inscritas na escola. No entanto, chegou a uma altura em que senti que o clube estava ausente, não comunicava comigo e não explicava o que ia acontecer. Aconteceu comigo e com os meus colegas, tivemos de entrar com uma ação em tribunal que ainda se prolonga e rescindimos contrato por justa causa. Agora estamos à espera. Foi também uma das frustrações deste mundo do futebol. Mais uma pedra no caminho.

Bola na Rede: Que fatores pesaram mais na decisão em deixar Leonardo Jardim? Foi difícil depois de tantos anos juntos?

Miguel Moita: Sim, sem dúvida. É sempre uma decisão que se pondera bastante, trabalhar com o Leonardo é muito fácil. É uma pessoa muito coerente, que sabe delegar e tem um Modus Vivendi no dia a dia de muito fácil trato. Em termos desportivos, aprendi muito com ele. Por isso, obviamente foi um passo difícil de dar. As razões que me levam a isto… sempre enquanto assistente, pensei que havia coisas que poderia fazer diferente. Gostaria de um dia ter a minha oportunidade como treinador principal. Neste caso concreto, a saída do Al Rayyan foi uma situação que me transtornou um pouco – tanto a mim como à minha família – e o facto de não conseguirmos estar num local mais do que um ano estava a acabar por fazer com que a minha família fosse muito inconstante e stressante. Não tanto para mim. Se estivesse sozinho, se calhar ainda continuava com o Leonardo. Pensei na minha família, nas filhas e tentei dar alguma estabilidade emocional. Daí a minha decisão de ficar em Portugal e tentar seguir o meu rumo sozinho. Liguei ao Leonardo em agosto/setembro e transmiti-lhe isso. Claro que aqui o meu objetivo é seguir como treinador principal, mas não é só isso. Quero trabalhar. Se me aparecer uma situação interessante como treinador assistente na Primeira Liga Portuguesa, nunca rejeitaria esse cenário. Já tive uma ou duas situações para conversar e ir para fora novamente, mas, neste momento, não é o meu foco. Tanto que não teria lógica tomar a decisão que tomei e ir agora para o estrangeiro novamente. O foco é ficar por Portugal.

Bola na Rede: O que está a achar de Leonardo Jardim no Cruzeiro e pergunto se acredita que terá sucesso no Brasileirão?

Miguel Moita: Não tenho conseguido ver jogos inteiros, é uma pena, mas também é complicado às horas que dão. Tenho visto golos, algumas situações, uma ou outra conferência. Entrou já com a equipa feita, já na fase final do Mineirão. Nessa fase, achei que iria ser complicado dar o cunho dele e foi o que aconteceu. Não conseguiram ganhar o torneio. Depois, teve o tal mês para treinar a equipa e colocar os princípios. Foi um início cheio de altos e baixos, tem tido bastante dificuldade em criar uma série de resultados positivos, sobretudo na Sul-Americana. Acaba por ser dececionante. No entanto, acredito que tem todas as condições. O plantel não está criado à imagem dele, falta alguns perfis que gosta e não tem. Agora não pode mudar isso, tem de trabalhar com o que tem. Parece-me que tem o apoio do presidente e está a moldar a equipa à sua imagem. É importante também, às vezes, fazer perceber que ninguém é maior que o clube e só se pode jogar com 11, alguém vai ter de ficar fora e se não tens rendimento nos treinos… é para trabalhar a sério. Quem tiver melhor é quem vai jogar. Já vimos o Gabriel Barbosa, com vários jogos no banco, o Dudu, que falou na comunicação social sobre não ter sido escolha regular. Falo por alto. É o que se percebe. Muitas vezes são este tipo de ações que vão ganhando a equipa e a equipa vai crescendo. Acredito que, passo a passo, se tiver o apoio do presidente e direção as coisas poderão chegar a bom porto e poderá fazer um campeonato equilibrado. Nunca será um campeonato top, mas acho que tem margem para depois construir uma equipa e fazer algo de bom. Para o Leonardo, algo de bom é ganhar títulos. Pode fazer um bom trabalho no futuro.

– O Início de Outro Sonho – A Carreira de Treinador Principal –

«Não sou um homem de sonhos, sou um homem de trabalho, do dia a dia»

Bola na Rede: Está agora focado em iniciar uma carreira como treinador principal. O que motivou a dar este passo?

Miguel Moita: Já treinei na formação como treinador principal, depois entrei no mundo profissional de futebol e tenho tido este percurso como assistente. Muitas vezes, questionava se um dia tivesse oportunidade faria da mesma forma, em algumas decisões, estratégias, exercícios. Pensava sempre no que faria e sempre gostei dessa parte mais estratégica do treino, a parte do mental e de gerir pessoas. Sempre foi algo que me entusiasmou e juntando a essa situação que aconteceu em termos familiares, tomei essa decisão e tentar dar esse passo. Sinto-me bem no treino, tenho uma grande paixão pelo futebol e é isso que me motiva.

Bola na Rede: Que tipo de projeto procura para começar?

Miguel Moita: A Liga 3 é muito interessante. Para alguém que não foi jogador de futebol e não tem o nome na praça como eu nas abordagens que vou tendo e não vou tendo, acredito que a Liga 3 é um patamar interessante, já com alguma qualidade e profissional. Tem jogadores potenciados para Primeira e Segunda Ligas, tem treinadores com ideias muito interessantes e há condições para as equipas crescerem. Nunca rejeitaria uma Segunda Liga. Se aparecer, não vou dizer que não. A vida é uma aprendizagem, aprendi muito com o Leonardo, mas acredito que ainda posso aprender mais. Tanto como principal, mas também como assistente de um projeto interessante da Primeira Liga.

Bola na Rede: Que aprendizagens mais marcantes retira do percurso com Leonardo Jardim, que podem ajudar na carreira de treinador?

Miguel Moita: Ser humilde. Muitas vezes chega-se a determinados patamares e deixa-se de conhecer pessoas, esquece-se o passado. O Leonardo é uma pessoa simples, muito humilde, de fácil trato. Essa facilidade do trato é bom manter. Outra aprendizagem é a linguagem que deve ser utilizada com os futebolistas. Aprendi que quanto mais prático e objetivo na passagem da mensagem, mais fácil ela vai ser recebida e interiorizada. Houve uma fase, em que os treinadores estavam muito preocupados com conceitos teóricos e palavras caras, e o jogador quer é ação. Uma coisa que também acho muito importante na metodologia de treino e para a sobrevivência de uma equipa a longo prazo numa época é contar mesmo com todos os jogadores que tem. Não é só no papel, nem são só os 11. São os 24, os 23. Tentar sempre incluir esta mensagem no treino, discurso. Nunca deixar cair aqueles jogadores que jogam menos, porque são esses que, muitas vezes, alimentam o trabalho dos outros. Lá está, a competitividade.

Bola na Rede: Como define a ideia de jogo e o tipo de liderança no balneário?

Miguel Moita: Tenho um modelo de jogo equilibrado, pensando na defesa e no ataque. Gosto de equipas agressivas defensiva e ofensivamente, dando criatividade aos jogadores nunca estando preso a táticas rigorosas. No futebol moderno, não se vê a liberdade do jogador em muitas equipas e isso é importante. É importante, nos treinos, obrigar os jogadores a pensar, criar cenários para isso. Enquanto sistema, gosto muito do 4-3-3, seja com um ou dois médios mais defensivos. Gosto também muito deste 3-4-3, que nos permite tanto pressionar alto, como também baixar um pouco o bloco. Em termos de liderança, é muito importante ter uma voz ativa e ter objetivos bem definidos. Ser alguém coerente, justo e alguém que digam as coisas na cara e fazer delegar. O Leonardo sempre soube delegar, muitas vezes até preocupando-se mais com o trabalho de gestão humana dos jogadores, nunca deixando de estar no treino.

Bola na Rede: Quais são as suas principais qualidades para ser treinador principal e quais os aspetos que considera que precisa de melhorar?

Miguel Moita: Sou muito positivo, que não me dou por vencido. Sou muito exigente comigo próprio e com os outros, não gosto de perder nem a feijões. Pensando em coisas que deveria melhorar, deveria abrir-me mais um pouco e relacionar-me mais com pessoas. Muitas vezes, chamadas que penso fazer e acabar por não fazer. Para conversar, falar de futebol… O treinador também precisa de um pouco disso: estar focado no trabalho, mas também ouvir. Consigo ouvir, mas provavelmente preciso de relacionar-me mais com pessoas.

Bola na Rede: Já teve abordagens concretas?

Miguel Moita: Sim, já tive abordagens para a Terceira Liga da França, Primeira Liga da Arménia e depois uma sondagem ou outra para um clube brasileiro, mas esse foi só verificar se teria interesse. Não houve oferta, nem entrevista. Como disse, o meu foco é estar agora em Portugal, mas sim essas situações surgiram.

Bola na Rede: Que objetivos tem a curto, médio e longo prazo?

Miguel Moita: Não é algo que tenha muito em mente, mas gostava de ter bons projetos que me dessem oportunidade de vencer constantemente. Vencer mais vezes do que perder. Começar em níveis mais baixos, subidas de divisões são coisas fantásticas. A subida do GD Chaves não tem menos mérito do que a subida da Segunda Liga. Todas elas são um marco, um selo de qualidade e boa performance. Se um dia tivesse 1/5 ou 1/6 do sucesso que o Leonardo teve, para mim já seria muito bom. Não sou um homem de sonhos, sou um homem de trabalho, do dia a dia.

Bola na Rede: Pergunto se chegar à Primeira Liga é um objetivo que tem em mente e, já agora, o que está a achar da temporada do Sporting e Braga, dois clubes onde trabalhou?

Miguel Moita: Se o Braga não tivesse tido o arranque com altos e baixos que teve, era um bom ano para o Braga ser campeão. Gosto muito das pessoas de lá, do clube. Fiquei também a gostar do Sporting e a minha opinião é que o Sporting, com todos os altos e baixos que teve, vai acabar por ser campeão. Quando o Bruno Lage chegou ao Benfica, deu uma estabilidade incrível. Às vezes, é incrível o facto de meter alguns jogadores nas suas posições, passar confiança e os libertar, acho que é muito do que é o futebol e o Lage conseguiu fazer isso no Benfica. No entanto, foi uma época que não começou, houve saídas de jogadores e lesões. Não conseguiu segurar o 1.º lugar (empate com o Arouca), que acho que é um momento importante. Relativamente ao FC Porto, é um ano zero do André Villas-Boas, com muitas experimentações e um plantel que, em algumas posições, não foi bem acautelado. Acho que a mudança de Vítor Bruno para o Anselmi não tenha trazido algum efeito benéfico. O Vítor Bruno era o homem do projeto de Villas-Boas, houve momentos maus, mas a mudança não trouxe nada de concreto e benéfico para o clube. É uma época para esquecer, mas é algo que pode servir para os próximos anos.

Bola na Rede: Quais são as suas referências como treinador?

Miguel Moita: Obviamente, o Leonardo, com a relação tão próxima que tínhamos, acaba por ser uma pessoa que passa muitas vivências. Há muitos que fazem mudanças e mete mais um defesa quando está a ganhar e ele fazia exatamente o contrário: injetava energia na frente para manter a produtividade e as equipas pressionantes e agressivas. Ganhámos jogos assim. Obviamente é um dos treinadores que me inspira. Gosto da forma de estar do Ancelotti, da forma como aborda determinados jogos, parece que tem uma relação fantástica com os jogadores. O Ruben Amorim é uma surpresa, uma lufada de ar fresco no nosso futebol e a forma como passa as dinâmicas para os jogadores. Tem ideias muito boas e tem uma comunicação forte. Gosto de algumas nuances do jogo do Xabi Alonso. Apesar de ter dececionado nos últimos tempos no Benfica, olhava para Roger Schmidt quando estava no Bayer Leverkusen. Tinha um momento de pressão que me fascinava. Jogámos contra eles e ele tinha essa capacidade. Um jogo de transições muito forte. E claro, José Mourinho acaba por ser um treinador que me influencia muito. Bebemos muito da metodologia de treino de José Mourinho.

Bola na Rede: Se tivesse de descrever Miguel Moita como treinador, como descreveria?

Miguel Moita: Exigente e organizado.