Gerir um clube futebol, contratar, dispensar e vender jogadores. Quem nunca se aventurou neste mundo virtual? É uma realidade por muitos sonhada, mas só vivida por poucos.

O confinamento durante a pandemia colocou Simão Fonseca agarrado ao Football Manager e aos 20 anos, levou-o ao cargo de diretor desportivo sem qualquer tipo de experiência. Imaginou, sonhou, planeou e concretizou a subida histórica do Lajense ao Campeonato de Portugal. Em cinco anos, a realidade superou a ficção.

«Estávamos em pandemia, havia pouco para fazer. Passou a ser possível jogar com equipas das distritais e liguei-me completamente ao FM. A partir daí surgiu a ideia de ser diretor desportivo», relatou, entre risos, ao jornal A BOLA.

«Disse que sonhava que o Lajense chegasse ao Campeonato de Portugal em cinco anos e todos se riram»

Puxado da realidade virtual para a gestão desportiva dos açorianos, Simão Fonseca foi o primeiro a sonhar, transformou céticos em crentes e escreveu a página mais bonita do clube em quase 70 anos.

«A subida foi o realizar de um sonho. Essa é a palavra certa. Lembro-me de na primeira reunião ter dito que sonhava que o Lajense chegasse ao Campeonato de Portugal em cinco anos e todos se riram. Uma pessoa até disse que era bom eu ter este pensamento, mas que seria impossível», rememorou.

Estudante em Lisboa, a pandemia precipitou o regresso prematuro de Simão Fonseca à Vila das Lajes quando surgiu o convite para integrar a direção da Juventude Desportiva Lajense.

«Comecei a jogar no clube aos cinco anos, completei todas as etapas da formação até que aos 18 anos fui estudar para Lisboa. Mesmo longe, mantive-me ligado ao Lajense, ajudei na gestão de redes sociais e fiz notas de imprensa. Mais tarde, aos 20 anos, fui convidado para a direção do clube», recordou.

O jovem açoriano foi puxado da realidade virtual, obrigado a tomar decisões e a correr riscos, sem hipóteses de voltar atrás como no jogo de computador.

«Quando cheguei, senti que havia um clube quase que acabado, sem esperança e resignado à condição atual. Tivemos de rejuvenescê-lo. Deram-nos muitas negas e tivemos de olhar para ex-atletas e familiares. O primeiro ano serviu para lavar a cara do clube porque ninguém queria jogar aqui. Só conseguimos a primeira vitória em março, mas sentimos que o projeto tinha pernas para andar. Não pagávamos nada aos atletas e mesmo assim, nunca tivemos menos de 18 elementos nos treinos», referiu.

O autal presidente do Lajense, Paulo Aguiar, retratou o mesmo cenário do diretor desportivo. «Fiz parte da direção do Lajense entre 2017 e 2019 e entendi como funcionava o clube. Voltei em 2021 e percebi a ideia do Simão que queria, no fundo, quebrar vícios. O Lajense estava habituado a jogar o campeonato regional, a beber umas cervejas na sede depois dos jogos e estava tudo bem», disse.

Apesar de terem chegado ao Campeonato de Portugal, Simão Fonseca não esquece o ponto de partida e aproveitou para destacar o papel de Paulo Janeiro, treinador que «tinha uma visão muito interessante para o clube» e que o recolocou, 15 anos depois, no Campeonato dos Açores.

«O Lajense apostava tradicionalmente em jogadores mais velhos, com muitos anos de clube, mas sem qualidade. O Paulo não olhou a nomes, deu o peito às balas e seguiu no caminho que queríamos. No ano seguinte, fizemos contratações cirúrgicas e conseguimos a subida», frisou.

O primeiro objetivo estava, no fundo, alcançado. Mas a ambição (utopia, exclamaram alguns) de Simão Fonseca não estava saciada. O Lajense merecia o Campeonato de Portugal e o Campeonato de Portugal merecia o Lajense, é um dos lemas do açoriano.

«A ideia inicial passava por fixar o clube junto dos grandes nomes do futebol açoriano. O Lajense tinha pouca história no campeonato dos Açores e queríamos que começasse a ser reconhecido a nível regional. Ficámos em quinto lugar em 2022/23, mas sentimos que foi pouco. Por isso, no ano seguinte, apostámos na subida de divisão, mas não correu bem», lembrou.

O diretor desportivo assume alguns erros que foram cometidos «fruto de alguma inexperiência» embora tenha reconhecido mérito ao adversário que venceu a prova, o Operário de Lagoa.

«Após o que aconteceu, fizemos uma preparação detalhe da nova época. Ainda assim, tivemos um pequeno dissabor a três dias de começar a época com a saída do treinador Pedro Caneco para a Liga 3. Mesmo assim, não duvidei de que iríamos conseguir o nosso objetivo porque o projeto estava solidificado. O mister Pedro Lima agarrou o projeto e tornou-se numa pessoa muito boa para o clube. Deve ser sempre lembrado», sublinhou.

Podia ser uma história digna de Football Manager, mas é real. Diz-se e escreve-se que somos do tamanho dos nossos sonhos, não é?