
No yin e no yang do futebol, assim caminha o Futebol Clube do Porto 2024/2025. Num limbo incompreensível entre a magia de Rodrigo Mora, a mais pura arte saída dos pés de um recém-maior de idade, e a bizarria do penálti oferecido por Zé Pedro e Nehuén Pérez, como que convidando a um abismo que andou sempre de mão dada com esta equipa ao longo da temporada.
Ainda assim, o FC Porto sai do Bessa virtualmente 3.º classificado da I Liga, depois da vitória por 2-1, arrastada e sofrida, frente a um adversário esperneante, mesmo que a classificação não deixe grandes esperanças ao histórico Boavista. Depois das vitórias de AVS e Farense, perder pontos não era opção para os axadrezados, que mesmo frágeis e a cambalear, conseguiram levar o jogo para um terreno perigoso para o FC Porto, que terá suspirado ao ouvir o apito final.
Sem Pepê no onze e com Fábio Vieira mais próximo de Samu e Rodrigo Mora, num 3-4-3 assumido, o FC Porto mostrou, nos primeiros minutos, um lado mais afoito. Samu e o extremo emprestado pelo Arsenal criaram rapidamente perigo, aproveitando as evidentes fragilidades do Boavista, coletivas mas também individuais. Nesta fase do campeonato, o erro espreita, surgindo entre o cansaço dos corpos já massacrados por 30 e muitas jornadas de futebol.
Aos 20’, Rodrigo Mora, como em tantos jogos, desistiu de esperar por uma aberta ou por um erro mais fatal. Foi, sozinho, em busca da felicidade. À entrada da área, fletido para a esquerda, gingou em cima de Kakay, deixando o adversário no chão com os movimentos rabinos do seu corpo. Seguiu-se um remate cheio de efeito, a entrar bem no ângulo. As mãos na cabeça de Samu dirão quase tudo. Uma obra de arte, mais uma do jovem que só há seis dias pode conduzir ou votar. É nele, no miúdo que já merece perfis em jornais ingleses, que lambem os dedos perante craque monetariamente tão acessível, que o FC Porto, depois de uma época tão traumática, deve colocar as suas esperanças futuras. Tantas vezes Mora foi a luz numa equipa estilhaçada. Esta noite, foi mais um desses casos.
Pouco depois de mais uma instalação museológica de Mora, o 2-0 surgiu num remate de Nehuén Pérez, de costas para a baliza, que mais tarde seria atribuído a Ivan Marcano, já que a bola desviou nas costas do espanhol antes de seguir decidida para a baliza de Vaclík. Parecia feito para o FC Porto.
Acontece que depois da magia, haveria também espaço para novo momento singular no dérbi da cidade do Porto. Este mais excêntrico, azarado para uns, palerma para outros. Talvez apenas uma incidência. Pouco depois da meia hora de jogo, Zé Pedro, a tentar aliviar a bola na área do FC Porto, chutou-a diretamente para o braço de Nehuén, quando este pedia um fora de jogo. A bola no braço é evidente. Onde é que isto se enquadra nas regras talvez seja mais difícil de descortinar. O penálti seria marcado sem questões pelo árbitro da partida e ninguém, fosse por embasbacamento ou vergonha, ousou reclamar. Um momento candid camera ou era-mais-o-que-faltava para o FC Porto 2024/2025.
Reisinho não se importou com as casualidades. Se há um penálti disponível, seja mais ou menos bizarro, ele vai marcar. E o jogo, que parecia rumar para apenas um lado, ficou de novo aberto.
A incerteza não fez maravilhas pelo jogo. Estavam em campo duas equipas ansiosas, inquietas. Embalado pelo golo, o Boavista partiu, até ao intervalo, para a sua melhor fase, ainda assim quase sempre contrariada pela linha defensiva bem gizada pelo FC Porto - uma e outra vez, Bozenik foi apanhado em fora de jogo, mesmo quando os dragões foram obrigados a recuar. Mas, até final, o jogo caminharia para uma demonstração de futebol nervoso, errático. A segunda parte começou com uma oportunidade para cada lado, Samu de calcanhar e, depois, Diaby a obrigar Diogo Costa a uma de muitas boas defesas, e essa seria a tónica: jogo partido, ideias por vezes boas, mas quase sempre atabalhoadas.
Samu teve duelo bem particular com Vaclík e Fábio Vieira, a jogar num espaço que lhe é mais confortável, foi o abre latas possível. Do outro lado, o coração estava na liderança de Seba Pérez e Abascal e na agilidade de Diaby. Sabendo-se em perigo iminente, o Boavista não se deu por petrificado, foi à luta. Procurou ataques rápidos, as costas da defesa do FC Porto. Depois da expulsão de Pérez, aos 82’, Anselmi viu-se definitivamente obrigado a recuar. Mas a alma, por si só, não resolve quando a fragilidade e o desespero é tanto.
Na última jornada, o Boavista precisa de um milagre. Um milagre que seria igual a uma desgraça para AVS e Farense. Parece difícil acontecer duas desgraças ao mesmo tempo e um milagre. A mesma desgraça que seria necessária ao FC Porto para deixar de ser 3.º nesta liga. Por aqui, caminha-se em limbos extremados, num campeonato cheio deles, de crises cíclicas, de desesperos vários. O futebol, tão feio por vezes como o que se viu no Bessa - joia de Mora até parece fora de sítio, mal-empregada -, ressente-se disso.