Os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia falaram durante cerca de duas horas esta segunda-feira. Após a chamada, Donald Trump descreveu na sua rede social, Truth Social, que a conversa com Vladimir Putin “correu muito bem” e que “a Rússia e a Ucrânia vão começar imediatamente as negociações para um cessar-fogo e, mais importante, um fim à guerra”.

Putin indicou que a Rússia “vai propor e está disposta a trabalhar com o lado ucraniano num memorando sobre um possível futuro acordo de paz” e que os esforços para o fim do conflito estão “geralmente no caminho certo”, noticiou a agência Reuters. Já o conselheiro presidencial do Kremlin Yury Ushakov indicou que não foi discutido qualquer prazo para um possível cessar-fogo, informa a CNN internacional.

A investigadora Diana Soller, do Instituto de Relações Internacionais (IPRI), aponta que as declarações públicas dos dois dirigentes “não vão no mesmo sentido”, com Trump a remeter para trabalho imediato num cessar-fogo e Putin a ressalvar que o comprometimento da Rússia está relacionado com a tentativa de criação de um memorando que descreva as condições de partida para uma negociação de paz.

“Estamos aqui perante duas visões que se mantêm inalteradas. Trump quer continuar a sua caminhada rumo ao cessar-fogo, Putin prefere continuar a sua caminhada rumo às condições maximalistas que a Rússia tem vindo a impor desde que se começou a falar de paz. Tendo agora — é a única diferença, mas não tem que ver objetivamente com este telefonema — menor favor dos Estados Unidos do que tinha há mais ou menos um mês”, observa.

Aproximação de Washington a Kiev é limitada

A especialista em assuntos internacionais observa, por outro lado, que houve uma “aproximação da mediação norte-americana” ao lado ucraniano, que associa à assinatura do acordo de minerais e à “perceção de que a Rússia nunca abandonará a China a favor dos americanos”. Apesar disso, nota que as relações entre Washington e Kiev não melhoraram a ponto de as cedências serem apenas dirigidas à Ucrânia. “O que está em cima da mesa é um plano de paz norte-americano ainda altamente danoso para a Ucrânia, nomeadamente no que diz respeito à perda de territórios”, ressalva.

O anúncio de que Trump e Putin iam falar surgiu através de uma publicação do líder americano na sua rede social, onde indicou que iriam dialogar sobre “parar o ‘banho de sangue’ que está a matar, em média, mais de cinco mil soldados russos e ucranianos por semana, e comércio”. Ficou também a indicação de que Trump iria falar com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e com membros da NATO.

Depois de falar com Trump, Zelensky indicou que o seu país pode procurar um encontro de alto nível com representantes da Ucrânia, Rússia, Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, noticiou a Reuters. Segundo a BBC, Zelensky deixou claro que não vai abdicar do controlo de cinco regiões ucranianas. “A Ucrânia não vai retirar tropas dos seus próprios territórios”, afirmou, além de indicar que concordou com uma troca de prisioneiros de guerra.

O diálogo entre Trump e Putin surge depois de não ter havido acordo para um cessar-fogo durante as negociações entre as delegações russa e ucraniana na Turquia, nas quais o Kremlin exigiu que as tropas ucranianas abandonassem as quatro regiões anexadas ilegalmente de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporíjia. Recorde-se que o Presidente ucraniano viajou para a Turquia, mas a delegação diplomática russa não incluiu Putin ou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.

Na sua publicação sobre a chamada, Trump escreveu também que “o Vaticano, representado pelo Papa, indicou que estaria muito interessado em receber as negociações. Que o processo comece!”.

Que papel pode ter a Santa Sé? Soller entende que é “prematuro” dizer, apesar de reconhecer em Leão XIV “um desejo de se envolver diplomaticamente” na mediação de conflitos. A favor da participação do Vaticano aponta dois fatores: “o Papa ser norte-americano e Donald Trump ter ficado muito agradado com isso” e “o facto de J.D. Vance ser um católico convertido que quer estar muito perto da igreja de Roma”. Entende, no entanto, que há outras possibilidades em aberto, como a Turquia ou países do Médio Oriente que mantenham boas relações com os Estados Unidos.

O cansaço de Trump

Apesar de Trump ter prometido na sua campanha eleitoral que acabaria com a guerra em 24 horas caso fosse reeleito Presidente, o seu vice deu a entender que a procura de uma solução pode ser posta de parte. Antes da chamada entre Trump e Putin começar, o vice-presidente americano reconheceu que havia “algum impasse” na procura de um fim para a guerra, e sugeriu que os Estados Unidos poderiam desistir desse objetivo. “São precisos dois para dançar o tango. Sei que o Presidente está disposto a isso, mas se a Rússia não está disposta a fazê-lo, acabaremos por dizer apenas que esta não é a nossa guerra”, afirmou Vance, citado pela Reuters.

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, indicou que o Presidente “deixou claro que o seu objetivo é ver um cessar-fogo” e que está “cansado e frustrado com ambos os lados do conflito”.

“O cansaço provavelmente existe. Trump é um Presidente que tem uma personalidade que quer ver tudo resolvido o mais rapidamente possível. De alguma maneira, devia estar convencido que a sua intervenção e o poder dos Estados Unidos teriam capacidade de travar a guerra rapidamente, e está a ter um choque com a realidade”, analisa Soller. Apontando a complexidade da guerra na Ucrânia e a falta de sinais de ambas as partes de “particular vontade de ceder nas exigências maximalistas que são incompatíveis umas com as outras”, a investigadora não antecipa que a paz esteja para breve.

“No fundo esta evocação e cansaço é também uma forma de pressão das partes. O abandono deste processo pelos Estados Unidos prejudicaria bastante as partes, sobretudo a Ucrânia. Agora, o abandono americano também parece estar ainda a alguns passos”, afirmou.

Mais tarde, Trump declarou-se disposto a “afastar-se” das negociações se pensar que não consegue ajudar as duas partes, noticiou a CNN internacional. O americano indicou que não vai aumentar as sanções contra a Rússia, por entender que “existe uma hipótese” de avanços.

A guerra contra a Ucrânia foi recentemente tema de conversa entre líderes dos Estados Unidos, Reino Unido, Itália, França e Alemanha. Do lado europeu, o chanceler alemão, Friedrich Merz, escreveu na rede social Xque “Putin tem de aceitar um cessar-fogo e conversações de paz”. Na mesma plataforma, o Presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu que o ditador russo deveria “mostrar que quer paz” aceitando a proposta de cessar-fogo dos Estados Unidos.

Novo ataque com drones

Este domingo, a Rússia lançou o maior ataque com drones contra a Ucrânia desde o início da guerra, noticiou a Reuters. O Instituto para o Estudo da Guerra observou que a Força Aérea Ucraniana relatou que as forças russas lançaram 273 drones na noite de sábado para domingo e que “o Kremlin continua esforços para projetar força militar antes do telefonema agendado” com Trump.

Num encontro com Vance que se deu em Roma, domingo, Zelensky afirmou que o seu país apoia as propostas de Washington e está empenhado no diálogo para atingir a paz, mas deixou alertas contra a atitude de Moscovo, defendendo “pressão para obrigar a Rússia a concordar com um cessar-fogo total e incondicional”.

“O Presidente informou o lado ameriano sobre as negociações em Istambul e as condições irrealistas pedidas pela Rússia para um cessar-fogo duradouro. O baixo nível da delegação russa indicou que não tinha mandato para tomar qualquer decisão”, descreveu um comunicado da presidência ucraniana.