
De ronda em ronda, a tecnológica portuguesa Sword Health vai aumentando o seu valor, reflexo do potencial que o mercado vê no “unicórnio” português especializado no tratamento da dor. A empresa liderada por Virgílio Bento - que, muito recentemente, apresentou um projeto para reformar o INEM - angariou, numa nova ronda de investimento, 40 milhões de dólares (cerca de €34,6 milhões ao câmbio atual) a uma avaliação de 4 mil milhões de dólares (€3,5 mil milhões).
É, neste momento, o terceiro “unicórnio” de ADN português com maior cotação no mercado do capital de risco, superado pela Outsystems e pela Talkdesk, cujas rondas mais recentes as valorizaram em 4,1 mil milhões de dólares e 9,8 mil milhões de dólares em 2022 e 2021, respetivamente.
Com esse dinheiro, irá continuar a desenvolver modelos de Inteligência Artificial (IA) especializados em cuidados de saúde e oferecer os seus serviços em mais países. E deverá voltar ao mercado para comprar empresas.
Esta ronda foi liderada pela sociedade norte-americana de capital de risco General Catalyst, que desde 2021 tem vindo a apostar em força na área da saúde através de um fundo criado especificamente para o efeito, e que se tem focado recentemente nas soluções que aplicam IA aos cuidados sanitários. No elenco de participantes contam-se os fundos norte-americanos Khosla Ventures e Comcast Ventures e as sociedades portuguesas Lince Capital, Oxy Capital, Armilar, Indico Capital e Shilling.
Os 40 milhões de dólares irão ser investidos para “apoiar a expansão global e reforçar o desenvolvimento contínuo de modelos de IA em todas as principais áreas dos cuidados de saúde” e “para acelerar a estratégia de fusões e aquisições da Sword”. O “unicórnio” português adquiriu, em 2021, a startup norte-americana Vigilant Technologies, que desenvolveu um aparelho para a prevenção de lesões musculoesqueléticas. No início deste ano, comprou a britânica Surgery Hero, que oferece soluções para a preparação e recuperação de pacientes no pré e pós-cirurgia, e que já se encontra a ser utilizada em algumas unidades do serviço nacional de saúde britânico.
Citado no comunicado, Chris Bischoff, diretor executivo da General Catalyst e membro do conselho da Sword, crê que "ao combinar IA sofisticada e expertise clínica humana, a Sword está a reinventar totalmente os cuidados de saúde - desde o tratamento da dor física até à solução anunciada hoje, focada na saúde mental - expandindo o acesso, melhorando os resultados clínicos e reduzindo os custos a nível global”.
Há um ano, a tecnológica portuguesa de cuidados de saúde encaixava 30 milhões de dólares (€25,9 milhões) a uma avaliação de 3 mil milhões de dólares (€2,6 mil milhões). Essa ronda de financiamento, que contou com a participação dos fundos portugueses Oxy Capital e Lince Capital, foi feita em paralelo com uma operação de aquisição de opções de compra de ações (stock options) aos trabalhadores.
As stock options são títulos que permitem aos trabalhadores a compra de ações da empresa a um preço fixo, tipicamente parte dos pacotes remuneratórios de startups. Estes títulos são geralmente liquidados apenas aquando da venda da empresa, altura em que já terão alcançado uma avaliação superior, permitindo aos trabalhadores encaixar o lucro correspondente.
A aquisição das stock options aos funcionários - operação usada, por sua vez, para garantir a não-diluição das participações dos acionistas aquando da entrada de novos investidores - rendeu, então, cerca de €51 milhões aos funcionários da tecnológica.
Aposta na saúde mental
Respondendo à crescente procura por cuidados de psicologia e psiquiatria, a Sword Health anunciou, ao mesmo tempo, o lançamento de uma solução para a área da saúde mental com recurso ao uso de IA. Chamada Mind, a solução combina o uso de grandes modelos de linguagem com a participação de humanos especializados em cuidados clínicos “para garantir o acesso aos melhores cuidados de saúde mental, transformando a terapia conversacional pontual num modelo proativo, com acompanhamento contínuo e personalizado”, de acordo com o comunicado enviado esta terça-feira.
O contacto com a Mind por parte de um paciente é feito através do Phoenix, “um agente com IA desenvolvido especificamente para tratar condições de saúde mental de forma abrangente, personalizada e holística”, fazendo da Sword Health a mais recente empresa a apostar no uso de chatbots para aconselhamento psicológico, que tem vindo a ser desenvolvido por entidades como a plataforma portuguesa Rumo.
O processo de marcação de consultas e de conjugação de disponibilidades entre o paciente e o terapeuta, de forma a se encontrarem cara a cara, e as limitações de tempo dos psicólogos são “barreiras” ao tratamento que esta solução de IA pretende contornar: “A terapia tradicional, baseada em sessões conversacionais de 40 minutos, muitas vezes com semanas de intervalo entre elas, não consegue acompanhar a realidade contínua e ininterrupta da saúde mental, com todos os fatores do quotidiano que influenciam o bem-estar das pessoas, como o sono, o stress, os relacionamentos e o contexto social”, defende.
Os defensores do uso terapêutico da IA argumentam que estas ferramentas servem de complemento à ação dos profissionais de saúde, permitindo respostas rápidas quando não é possível a intervenção imediata de um psicólogo - com a vantagem dessa resposta parecer feita por um ser humano. Já os detratores do uso de grandes modelos de linguagem na terapia criticam o recurso a respostas padronizadas, ignorando o caráter único de cada paciente e consideram que os utilizadores destas plataformas podem chegar a desenvolver relações patológicas com uma máquina. Argumentam, ainda, que é inevitável a desilusão dos pacientes ao se aperceberem que o seu interlocutor não é, de facto, uma pessoa.
A estratégia da Sword Health para obviar esta “falha” é a participação humana: “Profissionais clínicos de saúde mental trabalham em conjunto com a Phoenix para assegurar o envolvimento e o acompanhamento contínuo do paciente, garantindo que o toque humano permanece no centro dos cuidados de saúde”, descreve. A solução apresentada nesta terça-feira inclui também a M-band, “um dispositivo que capta o contexto ambiental e fisiológico do paciente, detetando precocemente sinais de depressão e ansiedade, de forma a permitir uma intervenção proativa por parte dos clínicos do Mind”.
Um recente estudo da OCDE revela que Portugal é o país com a maior percentagem da população a avaliar negativamente a própria saúde mental. Para a Sword Health, a crise de saúde mental não encontra resposta capaz nos sistemas globais de saúde: “Atualmente, quase mil milhões de pessoas em todo o mundo vivem com uma condição de saúde mental. Só nos Estados Unidos, mais de 60 milhões de adultos sofreram com algum tipo de doença mental no último ano, mas a maioria não recebeu acompanhamento. Apesar da ampla disponibilidade de soluções de saúde mental, o acesso continua a ser desafiante, a utilização baixa e os resultados pouco satisfatórios", argumenta a empresa no comunicado de imprensa.
Citado na nota de imprensa, Virgílio Bento, co-fundador e presidente executivo da Sword Health, sumariza a Mind, colocando a tónica na capacidade de resposta imediata da tecnologia: “Transformámos a prestação de cuidados de saúde desde o zero, substituindo um modelo centenário e intensivo em recursos humanos por IA que elimina barreiras ao acesso a cuidados de excelência para todos os que deles precisam”. O objetivo é fornecer, através da Mind, um serviço disponível a todas a horas do dia, ou seja, ”sempre que os pacientes precisam, não apenas quando têm uma consulta marcada". Segundo o líder da Sword, já foram tratados meio milhão de pessoas com a Mind, possibilitando a poupança de quase mil milhões de dólares em custos de saúde aos clientes da Sword.