“Nas últimas três [entretanto, quatro] legislaturas, a Assembleia da República iniciou processos legislativos com o intuito de regular a atividade de representação de interesses, ou lóbi”.

Tomei a liberdade de copiar, e atualizar, a citação anterior, que retirei deste documento produzido em maio de 2024 pela Divisão de Informação Legislativa Parlamentar.

O dossiê relativo a esta matéria, pela sua relevância, tem suscitado o interesse dos legisladores. Mas, agora, mais do que nunca, é tempo de agir. Lanço o repto aos autores do documento: atualizem-no, sim, mas com ambição.

Não apenas para incluir os “impulsos legiferantes” que deram entrada na legislatura que passou (PSD, Chega, IL e PAN), como também atualizar a lista de países que, entretanto, avançaram com a regulação do lóbi (Espanha, aqui ao lado, está a fazê-lo).

É importante que os deputados desta XVII legislatura saibam ao que vêm. Que conheçam o saldo acumulado de dezasseis projetos de lei sobre esta matéria, e de como as propostas se foram aproximando, por um lado e, por outro, para que tenham uma noção de quais são os países que escolheram a transparência em detrimento da opacidade.

Se o fizerem com uma abordagem construtiva e sistemática, observarão que o consenso está mais perto do que parece, que há mais elementos em comum do que em desacordo. E isso, na atual geometria parlamentar, é um aspeto francamente positivo.

A Associação Portuguesa das Empresas de Comunicação (APECOM), a 1 de março de 2024, na ausência de regulação, publicou um Código de Conduta de Assuntos Públicos para a Representação Legítima de Interesses. Hoje são praticamente cinquenta as entidades que aderiram a este Código, vinculando dezenas de profissionais a agirem com integridade, lisura e correção na sua interação com os poderes públicos.

No site da APECOM, explica-se o porquê dessa autorregulação e demonstra-se, com clareza, porque é que faz falta no quadro de uma democracia que se quer funcional, qualificada, transparente e participada. A ausência de um quadro legal claro – que é o que temos hoje em Portugal, um vazio – propicia desigualdades de acesso aos decisores públicos e fomenta a ideia de que apenas alguns, com melhores contactos, conseguem influenciar as decisões políticas e das entidades públicas. E, quando isso acontece, o que se corrói não é o lóbi: é a confiança.

Por influenciar entenda-se apresentar informação fundamentada e argumentos racionais e tangíveis que, as mais das vezes, coincidem com o interesse público. Mas como saber se assim é sem mecanismos de verificação e de controlo?

A verdade é que a regulamentação permite a democratização do acesso aos decisores públicos, criando condições de igualdade entre os diferentes representantes de interesses, e permite a rastreabilidade dos contactos efetuados e dos interesses representados. Quando todos operam sob as mesmas regras – com obrigações de registo, transparência e de prestação de contas – o processo de influência torna-se não apenas absolutamente legítimo, como também mais justo e escrutinável. O level playing field faz falta e funciona!

Outro aspeto crucial: transparência e integridade. Como sublinhado por vários projetos de lei que deram entrada na legislatura cessante, o contacto entre interesses privados e poderes públicos deve ser documentado e estar publicamente acessível. A criação de um Registo de Transparência, gratuito, obrigatório e online, com informação detalhada sobre quem representa que entidades, com que objetivos e em que contextos, é uma medida essencial para permitir o escrutínio político, das autoridades, da sociedade civil e, obviamente, também dos media.

Regulamentar o lóbi é também uma medida anticorrupção. É o que recomendam a ONU, a OCDE, o GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) e a Comissão Europeia. É essencial que os sistemas políticos estejam dotados de instrumentos que favoreçam a boa gestão, a prestação de contas e a integridade. É por demais evidente que um quadro legal claro reduz a informalidade e a opacidade, afastando a errada e falaciosa presunção de ilicitude hoje associada à atividade do lóbi.

Finalmente, a regulamentação valoriza e profissionaliza esta função. Com a criação de códigos de conduta, regras de incompatibilidades, critérios de acesso e deveres de informação, os representantes de interesses passam a operar num ambiente ético e regulado, reforçando a confiança nas instituições e nas suas decisões.

Estas medidas não visam dificultar a participação: qualificam-na. Tornam-na mais transparente, acessível, responsável e democrática. Sem esta regulação, abre-se espaço para o abuso, para a desigualdade e para a erosão da confiança no sistema político.

Senhores responsáveis políticos, o desafio está lançado: Portugal pode – e deve – ter uma lei do lóbi aprovada até ao fim do ano.

Para que Portugal possa evoluir e tornar-se numa democracia mais qualificada, alinhada com as melhores práticas europeias. Desafio aceite?