A segunda temporada da Residência passa por sete regiões - Porto e Norte, Centro de Portugal, Lisboa, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira. Até fevereiro de 2026, chefs convidados, oriundos de vários países, descobrem, pela mão de João Rodrigues, projetos, território, produtores e produtos portugueses, além de tudo aquilo que se possa cruzar com a gastronomia, como o artesanato ou a cerâmica.

Experiência itinerante, o projeto Residência explora a cultura gastronómica de cada região de Portugal de forma a dar a descobrir produtos e produtores locais. Acontece desde 2023 e surgiu como “laboratório vivo do "Projeto Matéria”, nascido pelas mãos de Vânia e João Rodrigues, em 2016. “Matéria” é, como, aliás, o nome indica, a base de tudo. Consiste numa rede de produtores portugueses que respeitam solo, ciclos e saber local, a que se juntam chefs e comunidades, pessoas de Portugal e do mundo, fazendo a ponte entre os vários protagonistas e procurando desenvolver a educação e o pensamento crítico sobre alimentação, origem e sustentabilidade.

Residência no Alentejo
Residência no Alentejo Expresso

A Residência tem naturalmente objetivos comuns ao Matéria e procura promover os territórios, as pessoas, as tradições locais, os produtos, os produtores e, sobretudo, a riqueza da cultura gastronómica portuguesa. Em 2023 envolveu mais de 20 chefs locais, atravessou 12 regiões do país, durante 12 meses e percorreu mais de 12.000 km. Os participantes tiveram a oportunidade de conhecer mais de 60 produtores e territórios, e foram criadas mais de 100 receitas com produtos locais.

Todos aqueles que querem viver uma experiência gastronómica no seu todo e acompanhar a vida de um prato desde a produção dos ingredientes, junto de criadores, agricultores ou pescadores, passando pela cozinha e a mesa, têm na Residência uma oportunidade. Numa verdadeira experiência integrada, as visitas (gratuitas) aos locais onde tudo começa, onde é possível conversar com os produtores e saber mais acerca do desenvolvimento da produção fazem de programas que culminam em refeições confecionadas pelos chefs convidados.

Cozinhar com jacaré

Residência no Alentejo
Residência no Alentejo Expresso

“Só assim faz sentido”, diz João Rodrigues, “quem vai aos jantares tem de fazer as visitas para entender o resultado”. Este ano, o périplo começou pelas regiões da Grande Lisboa e Setúbal e para descobrir a diversidade e qualidade daquilo que têm para oferecer, está, pela primeira vez em Portugal, a melhor chef latino-americana de 2024 (The World’s 50 Best Restaurants), Marsia Taha, responsável pelo restaurante Arami, na Bolívia.

Traz na bagagem alguns ingredientes nativos como o óleo de banana, sriracha feito com pimenta da Bolívia, ou a castanha da Amazónia. Costuma cozinhar com jacaré por fazer parte de um programa de sustentabilidade no seu país, aproveitando o animal ao máximo e combatendo a caça ilegal. “Bebe” dos mesmos valores do projeto Matéria e encabeça uma iniciativa levada a cabo em conjunto com a associação para a conservação da vida selvagem, Wildlife Conservation Society, em que se juntam chefs, investigadores e jornalistas para explorar territórios remotos da Bolívia e encontrar novos ingredientes e tradições, denominada “Sabores Silvestres”. Desta forma criaram-se cadeias de valor com as comunidades locais e eliminaram ao máximo a pegada de carbono. Marsia Taha já dedicou mais de uma década a pesquisar os produtos, técnicas e culturas ancestrais da Amazónia boliviana e, agora, assume a missão de demonstrar a conexão entre a floresta tropical, os Andes e La Paz.

Chef Marsia Taha
Chef Marsia Taha Expresso

A título de exemplo do que se faz na Residência, no caso da chef Marsia Taha as visitas começaram nos produtores do Oeste, na quinta de Raúl Reis (Rua 1.º de Maio, 44-46, Sobral, Lourinhã. Tel. 913747489), reputado produtor de batatas. Planta também abóboras, sendo o único a oferecer a brasileira abóbora moranga em Portugal e grão-de-bico preto, a pedido do chef João Rodrigues, que comanda o restaurante lisboeta Canalha, revelação no Guia Boa Cama Boa Mesa 2024, assim como a mais recente aposta, a batata Astérix, com casca rosada escura, “porque é excelente para fritar”, “fica crocante e é muito saborosa”. A estrela das variedades de batata de Raúl Reis é a Ratte, uma batata cremosa com um leve sabor a noz e avelã. Em breve o produtor vai tornar-se o terceiro nome com licença para produzir a preciosa aguardente certificada da Lourinhã.

João José Santos, o criador de porcos da raça Malhado de Alcobaça, é aquilo a que podemos chamar de “one man show”, uma força da natureza que se dedica de corpo e alma à sua marca “Porco Saloio” (Benedita. Tel. 965166754). Os animais são criados com fruta, neste caso com as sobras das maçãs da região além do desperdício das tartes de massa fina e crocante, camadas finas de Maçãs de Alcobaça e Uva Passa Alentejana, confecionadas pelo Chef Ricardo Raimundo (Av. Padre Inácio Antunes 10 1º esquerdo, Benedita. Tel. 913619469). Após os dois meses, os porcos são submetidos ao desmame e encaminhados para dois terrenos situados em Alcobaça, onde permanecem por seis meses. Ao completarem oito meses, são abatidos no matadouro, em Alguber, no concelho do Cadaval. Para saborear a carne de qualidade superior, deve recorrer ao Talho das Manas (Tel. 961102201), estabelecimento situado em Ponte do Rol, no concelho de Torres Vedras.

Viajar das ilhas ao Norte do país

Residência no Alentejo
Residência no Alentejo Expresso

Além da chef boliviana, juntam-se a esta segunda leva da Residência os chefs Alexandre Silva dos restaurantes Loco e Fogo, em Lisboa, e João Rodrigues. Num segundo dia, sete chefs portugueses, nomeadamente, novamente Alexandre Silva, Fernando Cardoso e Lívia Orofino (Canalha), José Paulo Rocha (O Velho Eurico), Leonor Godinho (Vida de Tasca e Bibs), Marcella Ghirelli (hoje com o projeto de pop ups Cella Lisboa) e Miguel Peres (Pigmeu) organizam um arraial. Estes primeiros eventos já se encontram esgotados, todavia é possível “tentar a sorte” e reservar as próximas “aventuras”, que continuam até dezembro de 2026 e que já têm determinados os chefs internacionais que se vão juntar para conhecer outros pequenos produtores portugueses. João Rodrigues sublinha que “são chefs cujo trabalho é para nós uma referência e partilham os mesmos valores na sua cozinha, são pessoas que pesquisam e aprofundam a gastronomia nos seus países e territórios e com os quais faz todo o sentido este intercâmbio de culturas”.

Chef João Rodrigues
Chef João Rodrigues Expresso

Nos próximos eventos, com datas a definir, a região do Algarve conta com Karime Lopez (Gucci Osteria - Massimo Bottura). A chef foi a primeira mulher mexicana a receber uma estrela Michelin. Segue-se a região dos Açores, com os chefs convidados Nicanor Vieyra (Olluco), um chef oriundo de uma família de 11 irmãos e que elabora cozinha peruana em Moscovo, servindo-a em peças de cerâmica feitas por artesãos peruanos, assim como Bernabé Padrós, antigo chef do restaurante Central, melhor restaurante do mundo em 2023 (World’s 50 Best Restaurants). A Madeira vai acolher Mitsuharu Tsumura, cozinheiro do melhor restaurante da América Latina em 2024, o Maido. É descendente de japoneses que “aterraram” no Perú e acredita na influência da gastronomia na melhoria da sociedade. Vai estar no périplo pela ilha da Madeira.

Segue-se o Centro de Portugal, com o chef Ricard Camarena, responsável por um restaurante próprio com duas estrelas Michelin e uma estrela de sustentabilidade, localizado em Valencia, Espanha, em que a horta e o sabor são palavras de ordem. O evento termina na região do Porto e Norte com os chefs convidados Nieves Barragan (Sabor), a chef executiva do restaurante Sabor, um restaurante com uma estrela Michelin em Londres, conhecido pela cozinha espanhola autêntica, servindo desde tapas andaluzas a “assados” castelhanos e pratos de frutos do mar galegos, e Mihai Toader, orador e especialista, com 13 anos de experiência, em acelerar a transformação sustentável para pessoas, organizações e cidades. Reservas e preços estão disponíveis no site Residência.

Residência no Alentejo
Residência no Alentejo Expresso

De notar que as diversas iniciativas em torno do Residência pretendem alertar para diversas problemáticas, como as dificuldades enfrentadas pelas regiões de menor densidade populacional, a desertificação dos territórios e o desaparecimento do saber-fazer e das tradições, que são símbolos da cultura portuguesa. Servem ainda para partilha de conhecimento sobre os modos de produção orgânica e regenerativa, respeitando a natureza e o ambiente, assim como a valorização dos pequenos produtores enquanto guardiães dos territórios, com o objetivo de contribuir para uma maior consciencialização sobre o consumo alimentar.

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