
"Não dei instruções a ninguém, não posso dar instruções no parlamento, há um assunto que envolve a justiça, o parlamento tem legitimidade para decidir, foi votado, portando, o primeiro-ministro não é chamado aqui relativamente a este assunto e não dá instruções para sacrificar ninguém", garantiu Ulisses Correia e Silva.
O chefe do Governo respondia, durante o debate sobre o estado da Nação no parlamento, após ser questionado pelo deputado da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) António Monteiro se teve, tem ou colocou pressão nos deputados para a votação, na quinta-feira, da suspensão do mantado de deputado do partido de Amadeu Oliveira, detido há um ano e suspeito de atentado contra o Estado.
"Senhor primeiro-ministro, a UCID questiona-o se, por acaso, deu instruções para se crucificar o deputado Amadeu Oliveira", questionou o ex-líder do terceiro partido com assento no parlamento cabo-verdiano, agora com três deputados.
A Assembleia Nacional de Cabo Verde aprovou na quinta-feira, por maioria, em voto secreto e num processo inédito, a suspensão de mandato daquele deputado, advogado e crítico do sistema judiciário cabo-verdiano, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.
Na sua intervenção, António Monteiro lembrou que há um ano o chefe do Governo, que também é presidente do partido do Movimento para a Democracia (MpD, no poder), disse que era imprescindível punir de forma exemplar Amadeu Oliveira, que, entretanto, disse, foi punido "da forma mais severa possível".
"Pois, não foram os tribunais a punir, por possíveis factos existentes, mas a Assembleia Nacional, por pura e simplesmente ele ser um adversário político", insistiu o deputado, que pediu a demissão do primeiro-ministro se se vier a confirmar que deu instruções nesse sentido.
Com 69 deputados presentes na sessão de quinta-feira, cada proposta carecia de uma maioria de 35 votos para ser aprovada, tendo duas recebido 38 votos a favor e outra 39 votos favoráveis, enquanto todas receberam 27 votos contra.
Um dos motivos centrais que dividiu o parlamento no debate que antecedeu a votação prendeu-se com dúvidas sobre a legalidade da decisão tomada há precisamente um ano pela comissão permanente da Assembleia Nacional de, a pedido da PGR, levantar a imunidade do deputado, que foi eleito em abril de 2021 nas listas da UCID, para ser ouvido num desses processos, acabando por ficar em prisão preventiva.
Até agora, o parlamento continua a funcionar com apenas 71 deputados e não com os 72 eleitos.
Crítico do sistema de justiça do país e assumido autor da fuga do arquipélago de um homem condenado por homicídio, Oliveira foi detido em 18 de julho após ser ouvido naquele processo, um dos três votados.
Dois dias depois, o Tribunal da Relação de Barlavento, na ilha de São Vicente, aplicou a prisão preventiva, na cadeia de Ribeirinha, na mesma ilha.
Contudo, contrariamente ao previsto na lei, o deputado acabou por ficar em prisão preventiva desde então, sem despacho de pronúncia transitado em julgado - obrigatório para a detenção de um deputado fora de flagrante delito - o que levou, entretanto, um grupo de 15 deputados a avançar para o Tribunal Constitucional, requerendo um pedido de fiscalização abstrata sucessiva para analisar o caso, que ainda aguarda decisão.
Amadeu Oliveira é acusado no processo mais mediático e ocorrido já após as eleições legislativas dos crimes de atentado contra o Estado de direito, perturbação do funcionamento de órgão constitucional e ofensa a pessoa coletiva, segundo a PGR.
Em causa estão várias acusações do deputado contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a fuga do país do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio -- pena depois revista para nove anos - de Arlindo Teixeira, em junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e deputado Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.
Em outubro passado, o Tribunal Constitucional de Cabo Verde recusou um recurso pedindo a sua libertação.
A fuga daquele arguido, fomentada por Amadeu Oliveira, levou a críticas públicas do então Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, do Governo e da Ordem dos Advogados.
RIPE (PVJ) // VM
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