O subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários defendeu hoje o reforço do combate à impunidade e apresentou Portugal como exemplo de países que registaram "avanços importantes" nessa área ao processar indivíduos por crimes de guerra cometidos no estrangeiro.

No debate anual do Conselho de Segurança da ONU sobre a proteção de civis em conflitos armados, Tom Fletcher afirmou que o mundo está a assistir a um declínio no respeito pelo direito humanitário internacional, denunciando que partes em conflito tentam justificar graves danos civis através de interpretações permissivas da lei, "ao definirem vagamente alvos legais, objetivos militares ou o nível de dano civil proporcional".

Nesse sentido, Fletcher defendeu a necessidade de se reforçar o combate à impunidade, frisando que em 2024 o mundo assistiu a avanços importantes, dando o exemplo de Portugal, entre outros países.

"No Uganda, um antigo comandante do Exército de Resistência do Senhor foi condenado por 44 acusações, incluindo homicídio e violação. Na Libéria, o Presidente criou um tribunal de crimes de guerra para lidar com as atrocidades das guerras civis", disse.

"Tribunais nacionais em França, Alemanha, Portugal e noutros locais processaram indivíduos por crimes de guerra cometidos no estrangeiro", acrescentou, sem referir casos concretos.

Um exemplo significativo ocorreu em 2024, quando dois irmãos de nacionalidade iraquiana foram condenados em Portugal por terrorismo e crimes de guerra.

O líder da vertente dos Assuntos Humanitários da ONU recordou que o Tribunal Penal Internacional emitiu novos mandados de detenção e instou os Estados-membros a apoiar esses esforços contra a impunidade.

"A justiça não deve ser seletiva. Deve manter-se independente e não ser politizada. Os ataques à integridade dos tribunais são inaceitáveis", reforçou.

No debate de hoje, Tom Fletcher alertou para as "tendências globais alarmantes" face à segurança de civis, pessoal humanitário e jornalistas, destacando que, no ano passado, as Nações Unidas registaram mais de 36.000 mortes de civis em 14 conflitos armados.

Também o número de deslocados à força atingiu novos recordes, ultrapassando os 122 milhões, a maioria dos quais deslocados dentro dos seus países, aos quais se juntaram relatos generalizados de desaparecimento forçado, tortura, tratamento desumano e outros traumas.

"A violência sexual é galopante. A ONU verificou cerca de 4.500 casos no ano passado -- 93% das vítimas eram mulheres e raparigas. A fome provocada por conflitos atingiu níveis alarmantes. Nem a assistência médica foi poupada", lamentou ainda, perante o corpo diplomático presente na reunião.

Fletcher insistiu que a ajuda humanitária tem sido utilizada como moeda de troca nas guerras, para pressionar populações e partes em conflito.

O ano passado foi igualmente o ano mais mortífero de que há registo para os trabalhadores humanitários, com mais de 360 mortes, incluindo pelo menos 200 na Faixa de Gaza e 54 no Sudão --- a maioria funcionários locais.

Ainda segundo a ONU, 53 jornalistas foram mortos em conflitos armados no ano passado, um aumento acentuado em relação aos anos anteriores.

Face a este cenário, Tom Fletcher pediu que os países apostem no diálogo político, na condenação pública de violações, no treino das Forças Armadas e na transferência responsável de armas como formas de garantir o respeito pelo direito internacional.

No debate de hoje esteve também presente a diretora-executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous, que destacou que mais de 612 milhões de mulheres e meninas vivem atualmente em zonas de conflito.

Sima Bahous declarou que em muitos locais, "os corpos das mulheres tornam-se campos de batalha", não apenas pela violência sexual, mas pela "negação deliberada" de direitos reprodutivos e serviços de saúde.

Cerca de 61% de todas as mortes maternas ocorreram em 35 países afetados por conflitos. No ano passado, episódios como bombardeamentos de maternidades, bloqueios de produtos médicos e cortes massivos de verbas agravaram o problema.

A chefe da ONU Mulheres pediu que a "violência reprodutiva" passe a ser tratada como uma categoria distinta de dano e que os autores sejam responsabilizados.