Temos que "desconstruir esta narrativa de pessoas que estão nos gabinetes a dizer que estamos a interferir" no funcionamento do sistema de justiça e da Assembleia da República, ao conceder perdão a supostos rebeldes, afirmou Nyusi.

O chefe de Estado falava de improviso durante o discurso de encerramento do ano académico do Instituto Superior de Estudos de Defesa tenente-general Armando Guebuza (ISEDEF), na província de Maputo.

Filipe Nyusi disse que as pessoas abrangidas pelo "perdão" são mães com crianças e bebés e idosos que fugiram ou foram resgatados pelas forças governamentais de cativeiros dos grupos armados que protagonizam ataques na província de Cabo Delgado, norte do país.

"Dissemos: 'venha e fique na sua aldeia'", porque "o princípio da reconciliação é regra [em Moçambique], é fórmula", destacou Nyusi.

As pessoas que escapam das mãos dos insurgentes, continuou, pedem às autoridades para aconselharem as comunidades a aceitarem a sua reintegração e a evitar represálias.

O Presidente moçambicano explicou que, no sábado, vai apresentar publicamente mais pessoas que fugiram das mãos dos rebeldes.

Críticos têm questionado em causa o processo que orientou a aplicação das restrições contra a covid-19, no auge da pandemia, ignorando o objetivo de salvar vidas.

"Se me querem prender por causa disso [restrições contra a covid], eu vou [à cadeia] com orgulho", vincou Filipe Nyusi.

Na última semana, a organização não-governamental moçambicana (ONG) Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) acusou o Presidente da República de "grave violação do princípio da separação de poderes", ao conceder "perdão" a supostos insurgentes.

"Este ato recorrente do chefe de Estado constitui uma grave violação do princípio da separação de poderes, pois, nos termos da Constituição da República de Moçambique, ao Presidente da República compete indultar e comutar penas e à Assembleia da República compete conceder amnistia e perdão de penas", lê-se numa análise que o CDD divulgou hoje.

Aquela ONG assinalou que perdoar ou amnistiar crimes não julgados cabe ao parlamento e não ao chefe do Estado.

Ao Presidente da República é constitucionalmente atribuído o poder de conceder indulto ou comutação de penas resultantes de condenação de crimes.

"Os supostos terroristas perdoados pelo Presidente da República não foram julgados e condenados, o Presidente da República não tem competência para perdoá-los, pois o perdão presidencial só pode ocorrer após a condenação do infrator em sede de tribunal", explica o CDD.

Aquela ONG criticou igualmente o facto de Filipe Nyusi anunciar o perdão aos alegados rebeldes em comícios populares, assinalando que os atos do chefe de Estado seguem formalidades, como o decreto ou despacho presidencial, e são publicados no Boletim da República.  

A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada promovida por rebeldes, com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde há um ano com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.

Em cinco anos, o conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

 

PMA // PJA

Lusa/Fim