De outubro a dezembro de 2020 foram denunciados 206 casos de violações contra a criança através da linha 116 em vários distritos da província de Manica e mais de metade estavam ligados a uniões prematuras, indicam os dados da Girl Child Rights (GCR), uma organização não-governamental de defesa da criança. 

Do total das denúncias atendidas, 97 estavam relacionadas com trabalho infantil, discriminação social e acesso à educação e outras "situações de natureza civil", tendo sido encaminhadas a várias entidades, incluindo o Ministério Público.

Nalguns casos, menores de 12 anos foram resgatadas de uniões prematuras com homens quatro ou cinco vezes mais velhos e noutros a união foi frustrada quando a rapariga ia ser entregue ao "prometido" durante cerimónias tradicionais, após denúncias de irmãs e tios das vítimas, disse Miguel Jambo, diretor de programas da GCR.

"A nossa taxa de sucesso e de desfecho dos casos situou-se em 38%" nos primeiros três meses da operacionalização da Linha Fala Criança, no centro de Moçambique, disse Miguel Jambo, que se surpreendeu com o nível de consciência das crianças na denúncia da violação dos seus direitos.

"Estamos a assegurar que todos os casos denunciados através da linha tenham tratamento eficiente e de forma atempada, com vista a garantir que as crianças continuem protegidas e seguras, mesmo em tempo de covid-19", frisou. 

O caso mais recente de resgate de uma rapariga de união prematura aconteceu em dezembro, num subúrbio de Chimoio, a capital de Manica, quando o tio de uma rapariga de 12 anos frustrou a consumação de um casamento tradicional. 

A rapariga já tinha sido dada em casamento a um homem adulto com quem já vivia há alguns meses no distrito de Vanduzi. Mas no dia do lobolo -- o dote em espécie ou animais oferecidos à família da noiva -- o tio da vítima denunciou a situação através do 116, tendo sido acionada a polícia para o local da cerimónia. 

"No instante, a polícia dirigiu-se à casa da menor e confirmou-se o ato. Foram tomadas medidas processuais imediatas contra os pais da menor", contou à Lusa Miguel Jambo. 

"Neste momento, o departamento de atendimento da Linha Fala Criança tem feito monitorias regulares do estado da menina" na sua ressocialização, acrescentou. 

O responsável disse que o grosso de denúncias relacionadas com uniões prematuras está concentrado nos centros urbanos, havendo por isso necessidade de maior divulgação da linha nas zonas remotas, onde o problema é crónico. 

"A Linha Fala Criança veio revolucionar" a profusão de denúncias de violações de direitos da criança, mas carece de mais divulgação, salientou Miguel Jambo. 

Por sua vez, Jorge Tivane, procurador provincial de Manica, observou que a linha se tornou numa porta para a entrada no sistema judiciário de crianças até aos 18 anos, que estejam a enfrentar questões ligadas à proteção social.

O Ministério Público em Manica recebeu e tramitou 124 casos da GCR, tendo 29 sido decididos e os restantes 95 casos continuam em tratamento judicial.

A Linha Fala Criança, de nível nacional, foi descentralizada para a região centro de Moçambique em outubro e já atendeu 18.000 chamadas das províncias de Manica, Tete, Sofala e Zambézia.

A maioria dos contactos está relacionado com a solicitação de informações sobre o novo coronavírus e os direitos e deveres das crianças.

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