
Noiserv, alterego artístico de David Santos, é um músico muito singular, sofisticado, que nos transporta para lugares entre a realidade e o sonho, utopia e beleza, e nos permite usufruir de uma infinidade de sonoridades simples e grandiosas - subtis relíquias que são como beijos e sussurros suaves ao ouvido e ao nosso íntimo, a recordarem o valor das pequenas coisas que são tanto.
Este é um ano especial para Noiserv, porque é a data em que celebra 20 anos do seu projeto, já que foi em meados de 2005 no Festival Termómetro Unplugged que nasceu.
Nessa estreia Noiserv não passou à final, e esta é a prova de que não são os concursos que ditam o futuro, a vida e a grandeza de uma banda ou dos músicos.
A prova disso é que Noiserv é autor de um dos projetos mais interessantes, estimulantes e criativos da cena musical portuguesa que, ao longo destas duas décadas, tem crescido para o tamanho do seu sonho.
Com a vontade de viver da melhor maneira cada instante do presente. Porque como ele nos ensinou “O caminho é sempre vão, se não tentares pisar o chão.”
É o palco do tempo, sem tempo a mais. E sem riscas a mais.
Já que David Santos, ou Noiserv, é supersticioso e está convicto que se não subir ao palco com roupa às riscas, corre o risco de tudo lhe correr mal. Por isso mesmo, segue essa crença à risca. Perdão, às riscas.
Nestas duas décadas, Noiserv tem 6 álbuns gravados, criou músicas e bandas sonoras de vários filmes como “José e Pilar, “O Labirinto da Saudade” ou “O Sentido da Vida”, de Miguel Gonçalves Mendes, ou “Todos os Sonhos do Mundo”, da cineasta Laurence Ferreira Barbosa.
Além do cinema, Noiserv colaborou também com várias criações para teatro, como é o caso da Companhia Maior…e…noutro palco, num palco mais seu, depois do último LP “Uma Palavra Começada por N”, este é o ano do lançamento do novo disco ainda sem título, mas já foi lançado o primeiro single nas plataformas digitais.
Chama-se “20 . 13 . A Lonely garden in the middle of a small house”, uma música que anda a ser escutada já por muita gente em loop e que tem como tema central a solidão, a reflectir sobre ilusões de controlo, rotinas, dificuldade de adaptação e o desejo silencioso de encontrar sentido no caos interior.
Um tema para ser consumido com tempo e atenção. O segundo single sairá no próximo dia 16 de maio e chama-se "20 . 05 . A self-conversation is too loud for an empty room"
E que é o novo avanço de muitos mais que serão lançados a meio de cada mês, que compõem o disco que terá apresentação no final deste ano.
Esta é uma fórmula curiosa, e cada vez mais usada, como explica David Santos nesta conversa em podcast, sobre esta época em que parece não haver disponibilidade para se escutar um disco na íntegra, do início ao fim. Nem parece haver muita capacidade de atenção.
“A atenção que as pessoas têm para ouvir ou ver algo nas redes é de 8 segundos. É o que leva um peixe pequeno a dar a volta ao aquário”
E aqui se discute a ditadura dos ‘singles’, do zapping musical, e de como já não se mergulha num disco como noutros tempos em que se girava um disco, do lado A e lado B e se ouvia tudo de uma ponta à outra. Numa viagem imersiva de um artista ou de uma banda só.
E como se cria música a saber disto. Como é o seu processo criativo. Como nascem as canções na sua cabeça?
Uma nota curiosa é saber-se que David foi engenheiro antes de músico.
Isto porque sempre gostou de matemática, daí a licenciatura de Engenharia electrotécnica e de computador, e depois o mestrado. E chegou mesmo a trabalhar numa grande empresa alemã de tecnologia e eletrodomésticos. Mas isso é outra música, de outra vida.
"Passaram 20 anos desde que comecei a compor música e a atuar, mas só em 2013 fiquei dedicado à música a 100% e passei a ter um trabalho e um hobbie comum, a música. 20 anos muito bonitos. Costumo dizer que há um EU antes e outro depois de NOISERV.”
Nestes vinte anos de música, Noiserv assume que como muitos, ou quase todos, é forte na autocrítica, no perfeccionismo e no impostor que muitas vezes “é um caçador mortífero.”
Mas que são 20 anos cheios de muitas experiências e que lhe permitiram conhecer o mundo quase todo com a sua música. O que não é dizer pouco.
David dá conta que considera que há sempre tudo por fazer e que gosta de imaginar como vemos a nossa vida de fora e a preto e branco. E quando olho para a sua vida, de fora, chora quase sempre.
E até revela que, quanto a isso, tem um lema: Quando fecha uma música, só acredita no seu fecho e forma final se algures no processo… chorou, parece que é dessa forma que ela chegou ao lugar certo, ou melhor, veio do lugar certo. Da vulnerabilidade.
E que mais? Consta que David tem mais de 150 instrumentos musicais no seu estúdio. Alguns foram comprados na feira da ladra, outros regateados no EBAY, ou em lojas de brinquedos de criança.
O que também diz muito sobre si, e que David revela nesta conversa, é que aprecia mais o luxo de dormir numa tenda do que num hotel e opta sempre por um bom passeio pelo meio do verde e das montanhas, para se deixar levar por algo muito maior do que nós.
E é precisamente por aqui que começa este episódio. Pela memória de uma viagem de autocaravana que David fez há muitos anos pela Europa, na qual tinha como objetivo tocar na rua pelos destinos por onde foi parando.
E fê-lo para experimentar novas sonoridades e se ligar aos outros, de forma errante e muito próxima, através da sua música. Como terá sido essa experiência, ser músico de rua em vez de músico de grandes palcos? David, ou Noiserv, responde.
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.