
Depois, há mais comida, apoio médico para as cerca de quatro mil pessoas que hoje chegaram num comboio ao fim da manhã, e veterinário para os animais de estimação que as acompanharam, à medida que vão sendo processadas pelo posto fronteiriço, numa das principais de entrada para mais de 800 mil refugiados que já fugiram da guerra na Ucrânia.
Na maioria mulheres, crianças e adolescentes, porque os homens foram chamados numa mobilização geral para enfrentar a invasão russa, chegam com uma mão cheia de nada e outra com muito pouco, numa saída demasiado súbita para planos de bagagem.
À medida que vão abandonando o edifício do posto fronteiriço, podem contar com mais dádivas, reunidas por organizações da sociedade civil: mais água, mais sumos, também comida enlatada, casacos, sapatos, luvas, mantas e ainda produtos de higiene, fraldas e brinquedos.
É com um papagaio dançante de plástico que se diverte Danilio, de 2 anos e 11 meses, acabado de chegar na condição de refugiado com a mãe divorciada e a avó. Os homens da família ficaram para trás, incluindo um tio nas forças armadas que "está a defender o país".
As brincadeiras de Danilio são uma rara manifestação de alegria ruidosa entre uma multidão que acaba de fugir do seu país e, além dos produtos recolhidos pela generosidade da sociedade civil, apenas lhe resta o silêncio e a deslocação para centros de acolhimento.
É nesta parte que entra Alla Ourogova, 37 anos, que empunha um cartaz que apenas diz "Estónia". Faz parte de uma organização estónia de apoio a refugiados (Estonian Refugee Council), que, desde o início da crise na Ucrânia, já encheu pelo menos um autocarro rumo a Talin, onde será garantido o alojamento em locais próprios ou familiares.
Alla é, ela própria uma refugiada, aliás "duplamente refugiada", depois de ter fugido há oito anos de Donetsk, no oeste da Ucrânia na anterior crise das repúblicas separatistas do país, e, há menos de uma semana, quando fez 13 horas de comboio para abandonar a capital, Kiev, onde era professora de tango. "Não era seguro de todo".
Uma vez na Polónia, juntou-se ao namorado, Luís Francisco, um brasileiro de 32 aos que trabalha com a organização estónia e em Przemysl passou a fazer o mesmo e esclarecer os seus compatriotas que têm esta opção.
No mesmo grupo, encontra-se ainda Evgeniia Belousova, 30 anos, uma engenheira de 'software' radicada em Talin. É russa.
Mas não é a nacionalidade que a impede de apoiar os ucranianos, num histórico de protestos em Moscovo contra a sua liderança e do seu ativismo nas redes sociais.
"[Esta guerra] é a manifestação da sociedade democrática da Rússia", afirma, dando-se depois conta de que a ironia podia não ser totalmente compreendida: "Mas a Rússia não é uma sociedade democrática e, realisticamente, sei que não posso impedir o meu Governo nem sequer influenciá-lo, mas ao menos posso ajudar as pessoas", completa.
E além da aliança russo-ucraniana no apoio a refugiados, há mais gente a aceitar acolhimentos, entre cidadãos polacos ligados a organizações sociais ou cristãs.
Mas também de partidas se conta a história na estação de Przemysl e o comboio que trouxe mais uma vaga deste êxodo histórico voltará à Ucrânia e à guerra.
É nesse comboio que vai seguir Olya, uma ucraniana que a guerra apanhou fora do seu país, para resgatar os seus dois filhos, entretanto à guarda dos avós, porque o marido já está numa das frentes de combate.
Foi Yola que a ajudou a preparar essa missão de reagrupamento familiar. Nos últimos dias, esta polaca não tem feito outra coisa. E é em lágrimas que Olya e Yola se abraçam e despedem.
Um nada atrás, estão na fila homens de rosto duro e fechado e com pouca vontade de falar. Uns vão igualmente procura as suas famílias, outros preparam-se para lutar, como era o caso de Daniel. E nem mais uma palavra.
Mais expansivo, há outro homem junto do átrio da estação de Przemysl que não pertence a este lugar, mas também não se sentia bem na sua casa em Fulda, Alemanha.
"Não tenho dinheiro para acolher refugiados, mas posso ajudar e combater", afirma Tobias Stack, um relojoeiro alemão que entrou em contacto com um grupo paramilitar presente na Ucrânia e a ele se juntará para uma formação de dois dias que nunca teve nos seus 44 anos.
Nada o move contra os russos, garante, mas despreza guerras na Europa e só quer contribuir para o fim deste "non sense", num voluntariado que os dois filhos de 11 e 17 anos têm dificuldade em entender, noutra desunião familiar a somar às milhares que, num sentido ou no inverso, chegam todos os dias a Przemysl.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar com três frentes na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamentos em várias cidades. As autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças, e, segundo a ONU, os ataques já provocaram mais de 100 mil deslocados e pelo menos 836 mil refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia.
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