
Marta Crawford desejou primeiro ser pianista e pintora. Chegou até a estudar na escola de artes António Arroio. Depois decidiu ser atriz, estreou-se na peça “O Baile”, na Barraca, e representou em vários palcos, durante uns anos.
Mas após uma tragédia pessoal, a morte repentina do pai num acidente de automóvel, decidiu mudar de rumo para psicologia e acabou por especializar-se em sexologia clínica.
Quando Marta apareceu na televisão há cerca de 20 anos no programa ABSexo, na TVI, a falar de forma natural e desassombrada sobre sexualidade e de coisas como “felatio” ou de brinquedos sexuais, em horário nobre, foi destemida, porque estava a fazê-lo num país ainda muito conservador e machista.
Nessa época, Marta começou por ser abordada na rua como a ‘doutora do sexo’..., mas isso já lá vai. Na televisão apresentou ainda o “Aqui há Sexo”, na TVI24, o “100 TABUS” na SIC MULHER e o “5 para a meia noite”, na RTP1.
Enquanto autora, assinou crónicas em diversos jornais e escreveu vários livros, como: “Sexo sem Tabus”, “Viver o Sexo com Prazer - Guia da Sexualidade Feminina” e “Diário Sexual e Conjugal de um Casal”, todos editados pela Esfera dos Livros.
No seu longo percurso, Marta Crawford fez parte da direção da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, foi coordenadora da Comissão do Dia Mundial da Saúde Sexual da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e impulsionadora da criação do Dia Nacional da Saúde Sexual, que se passou a celebrar a 4 de setembro, uma data aprovada por unanimidade pelo Parlamento Português em 2021.
Quem a conhece bem aponta-lhe a persistência, o entusiasmo e a capacidade de mover mundos e mobilizar equipas para fazer acontecer aquilo que sonha e acredita de forma apaixonada.
O paradigma disto é o seu extraordinário “Musex - museu pedagógico do sexo” e a exposição “Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino”, que Marta concebeu e assinou a curadoria.
Um projeto sonhado por si durante 12 longos anos, que teve vários revezes percalços pelo caminho, e que acabou por acontecer numa exposição pioneira que morou durante 9 meses no Palácio Anjos, em Algés.
Uma exposição que cruzava obras dos mais relevantes artistas nacionais e mundiais - como Paula Rêgo, Louise Bourgeois, Julião Sarmento, Jamie McCartney, Fernanda Fragateiro, entre tantos outros, que abordavam de múltiplas maneiras a sexualidade feminina - entre o prazer, o consentimento e a violência com o corpo da mulher - e que contou, a par disso, com centenas de atividades, entre consultas no museu, visitas guiadas e conversas.
Marta explica neste podcast como sonhou este museu e como o fez acontecer.
Nesta primeira parte do episódio, Marta recorda o diagnóstico médico que recebeu a meio da exposição que a fez equacionar tudo: cancro da mama.
E conta aqui como depois do abanão e dos tratamentos, decidiu travar a fundo, e abrir um novo capítulo na sua vida:
Passou a dedicar-se mais à família, aos amigos, ao descanso, às atividades mais criativas que tinha deixado durante anos em suspenso, como desenhar, tocar piano, criar objectos ou, pasmem, aprender a tratar a lã de ovelha, ou a cuidar da sua horta biológica, no seu monte alentejano, a nova morada que passou a dividir com Lisboa, onde continua a dar consultas, uma das suas grandes missões de vida.
Além destes episódios biográficos, Marta reflete sobre o momento que vivemos:
Neste mundo sem tempo, em que andamos todos sobrecarregados, ansiosos, deprimidos ou stressados, e demasiado agarrados às redes sociais, qual o lugar do amor, do erotismo, das relações profundas e da sexualidade prazerosa?
Quais são as questões eternas que continuam a chegar-lhe às consultas? E as questões que têm aumentado nos últimos anos?
50 anos depois do 25 de abril as pessoas já vivem o corpo, as relações e a sexualidade de forma mais livre? Já nos libertámos de muitos preconceitos com a sexualidade e sua performance, a identidade de género e os seus papéis ou alguns deles parecem um disco que vira e toca o mesmo?
Que revoluções sexuais, sociais e de género ainda ficaram por cumprir no nosso país?
A conversa começa por aqui mesmo.
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Nuno Fox. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.