
Mais de 1,6 mil milhões de pessoas votaram em 74 países em 2024, mas em 40% das eleições houve disputa sobre os resultados e dúvidas sobre a transparência eleitoral, de acordo com um relatório hoje divulgado.
Um relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Apoio Eleitoral (International IDEA) -- produzido no âmbito do seu Projeto de Integridade Eleitoral - connclui que no super-ciclo eleitoral de 2024 a desinformação, reformas controversas, violência política e catástrofes climáticas desafiaram eleições de 74 países.
O relatório do International IDEA faz um retrato complexo destas eleições (que incluíram as legislativas antecipadas em Portugal, em 10 de março do ano passado): enquanto muitos processos eleitorais foram bem organizados e pacíficos, vários países enfrentaram retrocessos democráticos, desinformação generalizada, violência política e ameaças à integridade eleitoral.
Os dados recolhidos apontam duas questões centrais para entender as dificuldades detetadas nas eleições de 2024: o papel dos meios de comunicação e o financiamento das campanhas eleitorais, que os analistas dizem revelar que a situação global das democracias se agravou.
"Este ciclo eleitoral refletiu, sobretudo, a qualidade das instituições democráticas. Quando essas instituições não são sólidas, as eleições não são credíveis", declarou o secretário-geral da International IDEA, Kevin Casas-Zamora, em entrevista à agência Lusa.
Casas-Zamora atribuiu ainda ao Presidente dos EUA, Donald Trump, a responsabilidade de em vários países, líderes políticos terem questionado os resultados eleitorais, depois de o líder republicano norte-americano ter negado os resultados das eleições de 2020, que perdeu para o ex-Presidente democrata Joe Biden.
"Se olharmos para os argumentos usados por forças políticas de vários países que puseram em causa os resultados eleitorais, vemos, ponto por ponto, o argumentário usado por Trump nos Estados Unidos", disse o secretário-geral da IDEA.
O estudo conclui ainda que a cobertura dos meios de comunicação, em muitos contextos, revelou enviesamentos flagrantes, enquanto a influência do dinheiro nas campanhas favoreceu desproporcionalmente os candidatos com mais recursos, comprometendo o princípio de igualdade de condições.
Por outro lado, critica plataformas como Facebook e Instagram por abandonarem iniciativas de verificação de factos e acusa o proprietário da rede social X, Elon Musk, de envolvimento direto em processos eleitorais de vários países.
"É muito difícil ter eleições credíveis quando a liberdade de imprensa não existe, quando a liberdade de reunião está ameaçada, quando as instituições fundamentais para a democracia estão ausentes ou estão fragilizadas", disse Casas-Zamora.
Para os analistas do International IDEA, um outro sinal preocupante em 2024 foi o uso instrumental das reformas eleitorais por governos incumbentes para reforçar o seu poder.
Em países como a Geórgia e a Tunísia, alterações legislativas cruciais foram aprovadas sem amplo consenso político ou em momentos estratégicos, limitando a transparência e o escrutínio público.
Apesar dos avanços registados em algumas regiões --- como as mudanças pacíficas de poder em diversos países africanos ---, o relatório documenta 17 eleições com indícios de fraude, incluindo compra de votos e manipulação de resultados.
O caso da Venezuela é apontado como exemplar destes problemas: neste país sul-americano, um sistema de votação bem desenhado foi bloqueado por irregularidades no momento da contagem de votos, gerando resultados que não refletem a vontade popular.
O documento relata ainda casos de violência política que marcaram este ciclo eleitoral, com candidatos que foram alvo de ataques na Mongólia, Eslováquia, Coreia do Sul, África do Sul e Estados Unidos.
Os analistas denunciam também que no México e no Paquistão grupos armados atuaram com impunidade, enquanto em Moçambique, a violência foi fomentada pela própria máquina do Estado.
Numa outra vertente, o relatório conclui que em 43 eleições nacionais, a desinformação foi usada como arma para minar a confiança pública e deslegitimar candidatos.
O fenómeno é agravado por ameaças híbridas --- estratégias de interferência lideradas por atores estatais e não estatais --- oriundas de países como China, Irão e Rússia, com ações que visaram diretamente eleições em nações da União Europeia (UE), bem como na Geórgia, Moldova, Taiwan, Ilhas Salomão e EUA.
Apesar dos receios iniciais, o uso de inteligência artificial nos processos eleitorais mostrou-se ainda muito limitado, sendo maioritariamente usado em sátiras e não em estratégias de manipulação direta da informação política.
Perante este retrato eleitoral de 2024, o relatório da IDEA Internacional deixa várias recomendações para proteger a integridade das eleições nos próximos anos: proteger a reforma eleitoral contra abusos políticos; investir nas capacidades das comissões eleitorais; monitorizar proativamente o ambiente informativo; garantir segurança para funcionários e eleitores; promover a cooperação interinstitucional, incluindo organismos estatais e organizações da sociedade civil.