
A maioria vestida de preto, jornalistas de todos os órgãos de comunicação social cabo-verdianos responderam à convocatória da Associação dos Jornalistas Cabo-verdianos (Ajoc) e juntaram-se nas imediações da Procuradoria-Geral da República (PGR), que constituiu arguidos dois profissionais e respetivos órgãos de comunicação social, por divulgarem peças processuais em segredo de justiça.
"A Ajoc defende uma revisão, um diálogo, uma conversação clara e franca para se esclarecer este assunto, porque no artigo 112.º do Código do Processo Penal diz-se que os jornalistas não estão abrangidos pelo segredo de justiça, entretanto no artigo 113.º abre-se a hipótese de pessoas que divulgarem partes de processos em segredo de justiça serem acusadas de desobediência qualificada", pediu o presidente da Ajoc, Geremias Furtado.
Depois do jornal 'online' Santiago Magazine e do seu jornalista e diretor Hermínio Silves, o jornalista Daniel Almeida e o jornal A Nação foram também constituídos arguidos pelo Ministério Público, tendo estes últimos sido convocados a comparecer na PGR hoje para serem ouvidos.
O primeiro caso diz respeito a uma notícia do Santiago Magazine, em 28 de dezembro, que dava conta de uma investigação do Ministério Público ao atual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, por alegado envolvimento num homicídio em 2014, quando era dirigente da PJ, durante uma operação desta força policial.
No segundo caso, o jornalista Daniel Almeida revelou à imprensa cabo-verdiana que não foi especificado por que motivo ia ser ouvido, mas suspeita que será também no âmbito desse processo, sobre o qual tem escrito várias notícias nos últimos anos.
A manifestação aconteceu ao mesmo tempo em que o jornalista Daniel Almeida e o seu jornal estavam a ser ouvidos na PGR, com os colegas presentes a empunharem cartazes e com palavras de ordem como "não nos calaremos", "jornalismo não é crime", "não queremos retrocesso", "liberdade de imprensa" e "para uma imprensa livre de pressões".
Também se gritou bem alto pela revisão do Código do Processo Penal, cujo artigo 113.º criminaliza quem divulgar peças processuais cobertas pelo segredo de justiça, mesmo quando o artigo anterior garante que os órgãos de comunicação social não estão sujeitos ao segredo de justiça em relação aos processos que não tenham sido chamados, a qualquer título, a intervir.
O presidente da Ajoc insistiu que é necessária uma revisão da atual legislação, no sentido de "fazer cair o artigo 113.º para que a imprensa tenha esta posição mais livre em Cabo Verde".
Questionado se a associação vai também pedir a inconstitucionalidade da norma, o líder sindical disse apenas que brevemente será organizado um fórum sobre este assunto e que posteriormente a classe vai dar outros passos.
O porta-voz dos jornalistas cabo-verdianos destacou a "forte adesão e mobilização" de colegas e profissionais de comunicação social, mas também de "pessoas amigas e a favor" da imprensa livre em Cabo Verde.
O dirigente da Ajoc também disse não acreditar em retaliações, sublinhando que Cabo Verde é um país democrático e garante o direito à manifestação. "Estamos só a fazer uso de um direito que temos", insistiu Furtado, dizendo que os profissionais do setor estão a defender a liberdade de imprensa.
O presidente da Ajoc sublinhou a reação dos órgãos e instâncias internacionais a estes casos, mas disse temer que façam o país cair nos 'rankings' de liberdade de imprensa, onde Cabo Verde tem vindo a registar "boas posições", estando atualmente na 27.ª posição a nível mundial.
Na quarta-feira, o procurador-geral da República cabo-verdiano, José Landim, disse que o foco deste caso deve ser direcionado para quem faz as leis no país.
A ministra da Justiça, Joana Rosa, garantiu hoje "total abertura" do Governo para abrir o debate e apresentar ao parlamento alterações legislativas que se mostrarem necessárias, nomeadamente na revisão da norma em questão.
Esta semana, o Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, pediu serenidade, tranquilidade e bom senso aos jornalistas e ao Ministério Público, lembrando também que a lei protege os jornalistas e órgãos por eventual violação do segredo de justiça, a não ser que sejam parte.
Mas que criminaliza a divulgação de peças processuais por qualquer forma, podendo haver a possibilidade de órgãos de comunicação social e jornalistas serem constituídos arguidos por eventual crime de desobediência qualificada.
Na quinta-feira, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal divulgou uma nota em que manifestou solidariedade e apoio institucional à homóloga cabo-verdiana, que convocou a manifestação.
RIPE // LFS
Lusa/Fim