
A geração de 90 é a geração do Erasmus. Sempre viveu no espaço Schengen, viu nascer o euro e cresceu a olhar para um mundo de possibilidades que estas novas portas abriam no estrangeiro. Tornaram-se cidadãos do mundo, mas (alguns) irritaram-se quando o primeiro-ministro, Pedro Passo Coelho, convidou os jovens a emigrar. Sentem-se portugueses com uma identidade também europeia, preocupa-os a polarização na sociedade atual e veem com clareza as consequências que representa para o seu futuro.
Hoje com idades entre os 26 e os 35 anos, a geração de 90 teve um acesso mais alargado ao ensino, à internet e ao mundo — com as low-costs — e viu nestas “ferramentas” a esperança que a crise económica com que cresceram quase lhes roubou. “Tomámos consciência de um cenário de crise ao ver os pais a perder trabalhos, e passar de uma vida confortável a uma escassez de recursos”, relata Sara Aguiar, colíder do projeto Coletivo Matéria.
Sara tem hoje 28 anos. Estudou, procurou o futuro lá fora e considera que esta “facilidade de acesso” lhe dá uma “vantagem competitiva” em relação às gerações anteriores. “Percebermos como podemos materializar esta ambição, temos mais ferramentas para isso. Por exemplo, as startups começaram a surgir numa altura em que começámos a pensar no mercado de trabalho. De repente, tínhamos uma opção que antes não existia. Podemos usar a tecnologia e temos, a um clique de distância, triliões de ferramentas para usar. A ambição é uma semente que está lá quando crescemos. Estas ferramentas alimentam a ambição e oferecem a esperança de que pode ser materializada”, acredita.
Para a geração de 90, a nacionalidade não é uma limitação e dizem que a prova está na produtividade reconhecida dos portugueses lá fora. Diogo Amorim, CEO da Gleba, acrescenta que as diferenças não estão na cultura, mas sim nas infraestruturas onde as pessoas produzem. “Em média, as empresas alemãs são mais maduras e sofisticadas que as portuguesas. São mais avançadas em sistemas de informação, mais automatizadas e informatizadas. Com o mesmo nível de esforço conseguem, em média, uma maior produtividade do que as empresas que não têm esta infraestrutura.”
Hoje com 29 anos, Diogo acredita que a sua geração tem “mais ferramentas e mais skills do que qualquer outra” para produzir valor. “Há muito espaço para haver mais empresas a participar ativamente na economia europeia. A realidade é que Portugal é um país pequeno, e se a economia portuguesa não se abrir, em particular para a Europa, será sempre pequena. Há casos como a Suíça, que é um país pequeno e tem uma economia forte porque tem muitas multinacionais a exportar bens e serviços.”, conclui.
A primeira a crescer na UE
Martim Sousa Tavares destaca que a sua geração é a primeira a crescer integrada na União Europeia, e hoje, com 33 anos, ambiciona que Portugal seja “um lugar de ideias e de pessoas que as podem tentar”. Lembra que durante muito tempo da sua vida ouviu dizer que o país estava em crise e que esta era quase “uma resignação nacional”. “Viver com a ideia de uma crise perpétua é terrível. É desmotivador e dá a ideia de que não vale a pena lutar por nada. É um discurso do qual discordo e que detesto ouvir”, diz. Para o maestro não há falta de ambição no país, mas sim uma tendência em associá-la apenas ao dinheiro. “A vida não pode ser só trabalhar e passar faturas. Quantos livros tenho para ler este ano ou quantos países quero visitar pode ser uma forma de ambição. Preocupa-me o afunilamento que a palavra tem”, alerta.
Diana Duarte, jornalista, com 34 anos, lembra-se da Praça Rodrigues Lobo, em Leiria, onde cresceu, cheia de bandeiras de Portugal, durante o Euro 2004; da Expo 98 e de pensar que havia em países como os EUA ou o Brasil um apelo que lhe agradava. Hoje é nómada digital, continua a trabalhar com a língua portuguesa, mas concretizou a ambição de viver no estrangeiro. “Cresci muito com a ideia que Portugal retrai a ambição, que é uma coisa mal vista. Se és uma mulher ambiciosa és arrogante ou és utópica, é um defeito”, acusa.
A viver no Alentejo, Anna Jorgensen, gestora e enóloga na adega Cortes de Cima, quer um país que “aposta no valor, na qualidade, na originalidade e na sustentabilidade”. Aos 31 anos, acredita que além de ambição é preciso ter visão, e diz que, em particular na sua área, se tem apostado só no “bom e barato”. “Quando se abrem os melhores vinhos do mundo gostava que estivesse lá também um português”, confessa.
Já Maria Castello Branco ambiciona um país sem medo de fazer reformas estruturais e que consiga “assumir a sua posição geoestratégica”. Com 26 anos, a colunista do Expresso caracteriza a sua geração como “hiperpolitizada”; mas lamenta que seja “tendencialmente ignorada pelos partidos tradicionais”. “Se calhar vou viver pior que os meus pais, mas eles viveram melhor que os meus avós. Isto é terrível. A instabilidade económica é brutal desde 2008. Estão a esventrar a classe média. Desde a covid há uma grande diferença na desigualdade económica na Europa e nos EUA e não há respostas para isto”, alerta.