"É uma denúncia gravíssima, muito grave, ao longo dos anos e da história de vários terrores que aconteceram na Guiné-Bissau nunca tinha ouvido que a Presidência da República, o Palácio da República, foi utilizado para efetivamente torturar as pessoas. Nunca tinha ouvido isso", afirmou o presidente da organização não-governamental dos direitos humanos.

Os dois ativistas, que a Liga Guineense dos Direitos Humanos disse terem sido sequestrados na segunda-feira, alegaram hoje que foram espancados na Presidência da República da Guiné-Bissau por elementos do batalhão da Presidência.

Em conferência de imprensa, realizada na Casa dos Direitos, em Bissau, na presença do presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Augusto Mário Silva, os dois ativistas, Carlos Sambú e Queba Sani (Kelly), disseram que foram raptados no bairro da Ajuda, na capital guineense, por um militar e por Tcherno Bari, mais conhecido por 'Tcherninho', da segurança do chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, e levados para a Presidência da República, onde alegam ter sido espancados.

"Estava um grupo de cinco pessoas, supostamente do batalhão da Presidência e esses todos, com galhos, com fios de eletricidade, mandaram-nos deitar no chão. Foram mais de 30 minutos de chicotadas, eu levei 56 chicotadas", recordou, afirmando que o elemento da Presidência estava a acusá-los de gerir um perfil online falso para criticar a ministra dos Negócios Estrangeiros, Suzi Barbosa.

O presidente da Liga referiu que "é a primeira vez" que está a ser confrontado "com uma denúncia de tamanha gravidade e carregada de uma infâmia nunca antes vista na Guiné-Bissau".

"Penso que já está tudo dito. Agora é a vez de o Ministério Público atuar. Não há mais nada a esperar. Não há necessidade de criar comissões especiais. O Ministério Público tem de abrir inquérito, tem competência e tem magistrados competentes para efetivamente conduzir o inquérito e apurar a responsabilidade de cada um dos intervenientes neste processo", sublinhou.

Para Augusto Mário Silva, o que se passou é "inadmissível".

"Portanto, estamos a chegar à base de maldade, de infâmia de tudo o que é pejorativo. Já estamos no fundo, não há por onde mais descer e é preciso travar isto. Nunca imaginei que a Presidência da República pudesse ser palco de tamanha crueldade, 30 minutos a torturar uma pessoa", afirmou.

Um dos jovens denunciou que em 30 minutos levou 56 chicotadas.

Augusto Mário Silva questionou também a posição do Ministério do Interior.

"Como é que o Ministério do Interior os recebe e os coloca nas celas. Passaram toda a noite lá e no dia seguinte ao invés de serem colocados em liberdade ou levados ao hospital ficaram no Ministério do Interior. Como é que o Ministério do Interior não está em conluio com os perpetradores deste ato", questionou.

Os dois ativistas referiram que não chegaram a estar detidos no Ministério do Interior e que o próprio ministro Botche Candé lhes pediu desculpa e que os soltou.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau anunciou na quinta-feira, em comunicado, a abertura de um inquérito ao "eventual rapto" de dois ativistas do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), partido que integra o Governo.

A Procuradoria-Geral da República referiu, no comunicado, ter "tomado conhecimento de eventual rapto de dois cidadãos" e que procedeu "imediatamente com a abertura do competente inquérito" para "apurar e trazer à justiça os autores morais e materiais daquele ato ignóbil".

Questionado sobre o assunto na quarta-feira, antes de partir para uma visita oficial a Portugal, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, considerou tratar-se de um caso isolado.

"Falei com o PGR (Procurador-Geral da República) e com a diretora da Polícia Judiciária e eles vão fazer inquéritos. É lamentável, são casos isolados. Lamento profundamente", disse o chefe de Estado, que fica em Lisboa até sábado.

A Lusa voltou hoje a contactar a Presidência, após as denúncias dos dois ativistas, mas ainda não obteve resposta.

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