.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, entre 1962 e 2022, em média, o volume de produção agrícola cresceu só 0,61% por ano.

SIC Notícias

Ainda assim, ao longo desse período, houve padrões diferentes de crescimento. Enquanto a produção animal cresceu significativamente entre 1962 e 1982, com um aumento de mais de 3% por ano nessas duas décadas, a produção vegetal teve uma queda muito acentuada.

Isso aconteceu como resposta ao comportamento da procura de bens alimentares nessa altura, porque a população portuguesa passou a ter um acesso maior a carne, leite e ovos, produtos que anteriormente estavam ao alcance de um número muito reduzido de famílias.

Esse maior acesso alterou a dieta alimentar da população, determinando um forte crescimento na procura de bens alimentares de origem animal. Depois o cenário mudou, e inverteu-se sobretudo na última década, com a produção vegetal a crescer muito mais (+3,3%/ano) do que a produção animal (+1%/ano).

Essa evolução levou a que, nestas seis décadas, se alterasse o perfil da produção agrícola em Portugal. Em 1992 a produção animal chegou a representar mais de 44% da produção agrícola total, tendo descido para 38% em 2022.

Nos últimos 40 anos, o que produzimos mais e menos?

SIC Notícias

Se olharmos para os produtos vegetais, os que tiveram um crescimento na produção nos últimos 40 anos são sobretudo os que resultam bem em regime de regadio.

Aumentou a produção de hortícolas, como legumes e verduras; além dos frutos; e do azeite e das azeitonas, que cresceram acima da média.

Já os cereais, e o vinho e as uvas tiveram um crescimento medíocre. É de sublinhar que a evolução de todos estes produtos, em particular do azeite, está ligada a níveis crescentes de exportação.

Entre os produtos vegetais, a batata caiu mais de 2% nestas últimas quatro décadas, devido a uma forte concorrência dos países do centro da Europa, acabando por ser substituída por importações no seu consumo interno.

Quanto aos produtos de origem animal, os aumentos de produção verificados decorrem da forte pressão do consumo de carnes brancas.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que a produção de carnes de aves em Portugal cresceu em média 2,5% por ano. Mas, ainda assim, foi preciso aumentar também as importações para conseguir dar resposta ao consumo dos portugueses. A par da carne de aves, também a produção de ovos e de leite cresceu.

Pelo contrário, a carne de bovino teve uma queda significativa de 4% por ano nas últimas quatro décadas.

Essa perda resulta da procura de hábitos alimentares tidos por mais saudáveis, que aconselham à redução do consumo de carnes vermelhas, e também da menor competitividade na produção por comparação com os países do centro da Europa e da América do Sul.

A produção agrícola no país resulta só de alterações do consumo dos portugueses?

SIC Notícias

Não. Há outros fatores que também contribuíram para essas mudanças na produção agrícola em Portugal. Um deles é o uso da terra, ou seja, a forma como a superfície agrícola é usada.

Ao longo das últimas décadas, não houve grandes alterações na dimensão da superfície agrícola utilizada, mas mudaram os usos que lhe são dados.

Por um lado, houve uma diminuição da superfície ocupada com culturas agrícolas anuais e permanentes, isto é, a terra que é cultivada todos os anos. Por outro lado, aumentou a área de terra ocupada por prados e pastagens permanentes.

Esta evolução retrata uma tendência de abandono, porque o que mais cresceu foram os prados e pastagens que são áreas não cultivadas.

Para se ter uma ideia mais concreta, os dados mostram que, em 60 anos, perdeu-se quase 40% da área agrícola que é cultivada anualmente.

Essa diminuição aconteceu sobretudo em resultado de uma enorme redução das áreas ocupadas por cereais. É verdade que outras culturas ganharam mais área de cultivo na última década - como os pomares (sobretudo de frutos secos) e os olivais - mas só compensaram muito parcialmente a perda significativa da área que era ocupada pelos cereais.

Essas alterações resultaram numa grande quebra do peso das superfícies com cultivo anual e permanente: de 78% da superfície utilizada em 1962 passaram para 47% em 2022. Pelo contrário, o peso dos prados e das pastagens aumentou de 22% para 53%.

Há mais ou menos explorações agrícolas?

SIC Notícias

Há muito menos explorações agrícolas do que no início da década de 1960. A diminuição foi de 52% e aconteceu sobretudo em resultado do desaparecimento de explorações pequenas, com menos de cinco hectares, devido à falta de escala e por estarem localizadas em zonas com pouca qualidade de solo e presença de água.

Pelo contrário, aumentaram as explorações de maior dimensão. A dimensão média das explorações quase triplicou entre 1968 e 2019, o que constitui um dos fatores mais significativos de ganho de competitividade, porque uma maior escala significa maior acesso a tecnologias mais eficientes.

Como evoluiu a mão de obra na agricultura?

SIC Notícias

A mão de obra agrícola teve uma queda de 87% desde o início da década de 1960 até aos dias de hoje. Este decréscimo foi mais acentuado nos anos a seguir à adesão de Portugal à União Europeia (então Comunidade Económica Europeia), em 1986, tendo depois disso tido um ritmo menor.

O que mais contribuiu para essa perda tão acentuada foi a diminuição do número de trabalhadores agrícolas familiares, que foi muito mais acelerada do que a perda de mão de obra assalariada, que na última década até aumentou.

A descida resulta, por um lado, do desaparecimento de pequenas explorações pequenas (cujas tecnologias eram baseadas em mão de obra). Por outro lado, também se deve à evolução tecnológica, que assentou muito na mecanização e, mais recentemente, até em alguma robotização.

É de salientar que a evolução tecnológica na agricultura não resultou só nessa redução do número de trabalhadores. O maior uso de tecnologia e o aumento do investimento em agricultura (sobretudo em plantações, máquinas e edifícios) fizeram crescer a procura de outros produtos, como adubos, sementes, plantas e fitofármacos, além de serviços como cuidados veterinários ou manutenção de máquinas, que são os chamados consumos intermédios.

Nas últimas duas décadas, esta evolução deveu-se muito ao forte crescimento das áreas de olival, de pomares e de culturas em estufa, tanto de hortícolas como de frutos vermelhos.

A agricultura é agora mais ou menos produtiva do que já foi?

SIC Notícias

Em Portugal, a produtividade da terra teve uma evolução muito positiva nas últimas décadas.

Essa tendência aconteceu em consequência quer do “abandono” das terras mais marginais (que passaram a fazer parte dos prados e pastagens permanentes mais pobres), quer da adoção de novas tecnologias de produção caraterizadas por um potencial muito mais elevado (melhor genética, mais e melhor equipamento, mais e melhor tecnologia de rega, e maior mecanização de operações, como a colheita de olivais).

Também a produtividade do trabalho aumentou de forma muito relevante. As explorações que “desapareceram” tinham mão de obra intensiva.

Nas explorações que permaneceram e que aumentaram de dimensão foram introduzidas tecnologias muito menos intensivas em mão de obra.

De forma simples, a intensificação da mecanização deu origem a menores necessidades de mão de obra e a maiores volumes de produção. Esta tendência é semelhante à verificada nos restantes países do sul da Europa.

Isso significa que a agricultura se tornou mais rentável?


SIC Notícias

Sim, o rendimento do setor agrícola aumentou. A quantidade de produtos agrícolas manteve-se mais ou menos constante nas últimas décadas. Mas com recurso a cada vez menos terra cultivada e a menos mão de obra.

Isso significa que o valor acrescentado dessa produção cresceu de forma significativa, porque passou a haver um equilíbrio mais positivo entre os preços de venda dos produtos e os preços de aquisição dos fatores de produção.

Se a essa evolução positiva juntarmos ainda o aumento dos apoios diretos à produção e ao rendimento dos produtores agrícolas (muito significativos no âmbito da Política Agrícola Comum), então temos como consequência uma melhoria do rendimento do setor agrícola nacional, que foi ainda mais significativa quando se tem em conta a diminuição da quantidade de mão de obra necessária para a produção.

Ao longo dos últimos 40 anos destacam-se dois momentos em que o rendimento deu um salto maior: um deles deu-se logo na década a seguir à adesão à União Europeia e o outro foi já na última década, entre 2012 e 2022.

Em que produtos Portugal é autossuficiente e em quais é mais dependente de importações?


SIC Notícias

O indicador que usamos para avaliar o nível de autossuficiência ou de dependência de importações é o grau de aprovisionamento, que é calculado a partir da produção e do consumo de cada produto, envolvendo também as importações e exportações.

Olhando para os dados atuais, relativos a 2022/23, em produtos vegetais como o trigo, a cevada, o milho e a batata, Portugal tem graus de aprovisionamento muito reduzidos e decrescentes.

Ou seja, o que o país produz está muito aquém do necessário para dar resposta ao consumo interno, ficando mais dependente de importações. No caso destes produtos, a tendência resulta de uma diminuição clara das quantidades produzidas (devido à falta de competitividade nos mercados internacionais).

Noutros produtos, como os frutos frescos, os citrinos e as carnes de vaca, porco ou aves, o país apresenta graus de autoaprovisionamento entre os 50 e os 100%.

Já os frutos secos, leite, manteiga, arroz e azeite têm graus de autoaprovisionamento superiores a 100%, o que significa que, nestes casos, Portugal se posiciona no mercado como “país exportador”.

É de salientar que na última década a agricultura portuguesa enfrentou grandes desafios, como os impactos da crise económica e financeira que levou à intervenção da Troika, o confinamento da população durante a pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a invasão da Ucrânia.

Mesmo nesse contexto de crises sucessivas, a agricultura em Portugal mostrou grande resiliência e boa capacidade de resposta do ponto de vista produtivo, tecnológico e estrutural. Apesar dos desafios, foram alcançados os resultados económicos sectoriais e empresariais mais favoráveis das últimas décadas.

Tanto em Portugal como na generalidade dos países mais desenvolvidos, apostou-se num modelo tecnológico de intensificação da agricultura, baseado na substituição do trabalho humano e dos processos biológicos.

Esse modelo teve consequências positivas do ponto de vista económico, mas provocou problemas ambientais, quer na gestão do solo e da água, quer na biodiversidade e nas emissões de gases com efeito de estufa. Portanto, acabou por tornar-se consensual que era necessário adotar um modelo de intensificação agrícola sustentável, que permita ganhos de produtividade, mas valorizando os ecossistemas e melhorando o uso do solo e da água.

É nesse contexto que os modos de produção sustentáveis têm assumido cada vez mais importância, em particular na última década e meia. No futuro, as políticas públicas poderão ter uma importância decisiva para que seja possível potenciar os impactos positivos desses diferentes modos de produção sustentáveis.