O mundo atingiu hoje um novo recorde populacional, somos agora oito mil milhões de habitantes. “Nunca fomos tantos como hoje no planeta”, afirma Maria João Valente Rosa, demógrafa e professora universitária na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa.

A taxa de mortalidade diminuiu bastante devido aos progressos da ciência, medicina e tecnologia e isto explica em boa parte a existência de mais pessoas no mundo. Hoje também se vive mais tempo.

Estes números podem ter duas interpretações: a visão otimista, de quem se entusiasma por se juntarem mais pessoas à festa; ou a visão negativista, de quem sabe que quantas mais pessoas na festa, mais recursos vão ser necessários e, que o que têm, não dá para todos. “O que a ciência nos diz é que a Terra é finita e que mais gente exige mais alimentação, maior produção e maior distribuição, e tudo isso começa a causar grandes danos ambientais”, explica a demógrafa. Caso para dizer: lá vem o clima cortar o clima da festa.

A professora universitária e demógrafa Maria João Valente Rosa LUSA

Destes oito mil milhões no mundo também é de destacar que não estamos repartidos de igual forma pelo globo e que há grandes desigualdades entre regiões. O relatório de prospeção demográfica de 2022, das Nações Unidas, mostra que a taxa de fecundidade é bem mais alta nos países menos desenvolvidos. “São estes países que vão alimentar bastante este aumento da população mundial e que se espera que continue para o futuro”, explica Maria João Valente Rosa.

Até 2050, mais de metade do crescimento populacional acontecerá em oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia.

“Na maior parte dessas regiões menos desenvolvidas, o planeamento familiar é inexistente, a desigualdade de género é gritante e os baixos níveis de educação sobem a tónica do problema, o que leva à existência de múltiplas situações como gravidezes indesejadas ou maternidades claramente não planeadas”, afirma a especialista.

A Nigéria é um bom reflexo desta realidade – é o país mais populoso de África e é atualmente o sexto país mais populoso do mundo. Em 2050, estima-se que dispute o terceiro lugar com os Estados Unidos da América.

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“A Nigéria tem um dos mais baixos valores da esperança de vida à nascença, 53 anos, enquanto no mundo é de 71 anos. A taxa de mortalidade infantil na Nigéria é cerca de duas vezes e meia superior à média do mundo e a taxa bruta de natalidade é mais do dobro da mundial; o número médio de filhos por mulher é de 5,24 contrastando com os 2,3 a nível mundial, o que o torna num dos países com maior fecundidade do mundo, portanto é um país muito pouco desenvolvido e muito pobre”, demonstra Maria João Valente Rosa.

Infografia ONU
Ranking dos dez países mais populosos: 1990, 2022 e prospeções para 2050 (os números entre parênteses estão em mil milhões) créditos: ONU

Novidade, também, destas prospeções é que a China, o país mais populoso do mundo com cerca de 1,4 mil milhões de habitantes, pode perder já em 2023 o primeiro lugar do pódio para a Índia.

A população aumenta, as desigualdades também e o planeta é que paga

A tendência de sermos cada vez mais é para manter. Espera-se que em 2050 sejamos cerca de nove mil milhões e em 2100 cheguemos aos dez mil milhões. “É necessário que se comece a pensar em políticas inteligentes para levar a práticas mais sustentáveis de preservação da biodiversidade e também para mitigar as alterações climáticas”, alerta Maria João Valente Rosa.

O uso excessivo do carro, a utilização desenfreada de materiais plásticos, o consumo exagerado de alimentos, a nossa relação com a água e o desperdício que fazemos dela, bem como o aumento de consumo da eletricidade, associado aos múltiplos equipamentos que temos, contribui para uma fatura demasiado alta a pagar.

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A verdade é que não estamos todos a consumir da mesma forma, como foi alertado na COP 27, há uma semana, por muitos representantes de África. “África contribui com menos de 3% da poluição responsável pelas alterações climáticas, mas foi mais gravemente afetada pela crise que se seguiu”, referiu no certame o presidente do Quénia, William Ruto.

Maria João Valente Rosa destacou ainda que mais importante do que o número de pessoas a aumentar, é o número de pessoas que têm hábitos de consumo exacerbados. “Se pensássemos que todas as pessoas do mundo tivessem os estilos de vida e os hábitos de consumo idênticos aos europeus e aos norte-americanos, o planeta já não bastava, já não era suficiente.”

“A Europa está cada vez mais dependente dos movimentos migratórios"

Mais do que muitos, estamos também mais velhos. Com a diminuição da taxa de mortalidade, as pessoas vivem até idades superiores às que viviam. Dados das Nações Unidas mostram-nos que a população com mais de 65 anos representa 10% e, em 2050, a percentagem aumenta para 16%.

A Europa e a América do Norte são as regiões mais envelhecidas e que se espera que envelheçam ainda mais até 2050.

O envelhecimento de uma população tem repercussões no funcionamento de um país, uma vez que vai perdendo população ativa e sobrecarrega o sistema de segurança social e de saúde. “A Europa está cada vez mais dependente dos movimentos migratórios para ter algum crescimento demográfico”, explica Maria João Valente Rosa.

Alguns países da Europa começam a perder população pela via natural o que os leva a ter um saldo natural negativo – morrem mais do que nascem. Segundo a especialista, a emigração acaba por contribuir para o equilíbrio demográfico. “É preciso que o número de entradas seja essencialmente laboral, com pessoas em idades mais férteis para que haja um impacto positivo sobre os nascimentos.”

Os migrantes e o contributo à demografia no Ocidente

Portugal, o quarto país mais envelhecido da Europa, é um bom exemplo de como a emigração contribuiu para um saldo mais positivo de nascimentos. “Em 2021, Portugal bateu o recorde histórico de nascimentos mais baixos, não chegou aos 80 mil. Cerca de 13,6% dos nascimentos foram de crianças cuja nacionalidade das mães era estrangeira, ou seja, sem os nascimentos destas crianças, não tínhamos chegado nem aos 70 mil”, explica.

Mas o mesmo também acontece na Alemanha. Se analisarmos os vinte países mais populosos do mundo, só a Alemanha – à exceção da Rússia – aparece nesta lista a representar o Velho Continente. O país deve muito da sua população à emigração e o mesmo acontece com a Europa dos 27.

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Numa altura em que as políticas de extrema-direita na Europa parecem querer fechar as portas, a demografia também mostra que os migrantes podem ajudar no saldo positivo da população. “É uma das lições que temos de tirar para o futuro: fazemos todos parte do mesmo planeta e temos de parar de olhar para o mundo como ‘o nós e os eles’. Temos de reaprender a olhar para as pessoas, não em função da sua nacionalidade ou naturalidade, mas em função daquilo que as pessoas valem e apostar exatamente na sua boa integração nas sociedades de acolhimento”, remata a académica.

Todas as histórias têm um desfecho, esta história com o planeta não tem um guião fechado e os próximos anos serão muito importantes. Aprendemos, contudo, que sermos muitos, não significa que tenhamos muitas e boas soluções ou que estejamos a coabitar o mundo da mesma forma.

Entre otimistas e negativistas, e entre quem quer mais pessoas na festa ou quem conta recursos, ainda é cedo para fazer prognósticos. “O futuro é um cone, quanto mais nos afastamos maiores são as incertezas”, exemplifica a demógrafa.

Claramente, há boas notícias: o aumento da população não foi um acaso, “teve naturalmente que ver com os progressos que se fizeram sobre a vida e a morte das populações”, afirma Maria João Valente Rosa, realçando que “estamos claramente melhor do que estávamos no passado”.

Porém, os efeitos no clima e as desigualdades sociais e económicas redirecionam-nos para problemas urgentes. “Agora, importante é saber como vamos lidar com estas questões. Se vamos torná-las num potencial de bem-estar e de convivência entre os povos, ou se vamos cerrar fileiras entre as várias áreas do planeta e ficar fechados na nossa história e passado.”