No relatório Save Our Education, publicado em julho de 2020, a ONG Save the Children afirmou que "pela primeira vez na história da humanidade, uma geração de crianças em todo o mundo teve a educação interrompida". Afetou e continua a afetar milhões de estudantes no mundo inteiro, desde a creche ao ensino superior.

Os dados apresentados pela UNESCO mostram que, em abril de 2020, 1,6 mil milhões de alunos, em mais de 190 países, foram privados da aprendizagem presencial para conter a disseminação da COVID-19. Este número é cerca de 90% da população estudantil do mundo. A pandemia causou uma "emergência educacional sem precedentes", frisa a ONG Save the Children.

Ensino à distância: da Europa para a Ásia

Em Portugal as escolas estão a enfrentar um desafio inédito e tentam minimizar os graves danos causados pela pandemia. Depois de dois meses de encerramento em 2020, e convencidos de que não voltaria a acontecer, o governo português decidiu de novo encerrar todos os estabelecimentos de ensino a meio de janeiro de 2021. A 8 de fevereiro o ensino à distância regressou.

João Faustino frequentava a Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa, quando começou o primeiro confinamento em Portugal, e relembra: "Os professores demoraram um pouco mais de tempo para se adaptar ao novo método de ensino. Penso que a maior dificuldade foi manter-me concentrado. Sempre que começava a perder o foco abria outra janela [no computador] ou respondia a mensagens no grupo de amigos e da turma. Isso acontecia principalmente nas primeiras semanas", acrescenta. Teve ajuda dos pais, "principalmente para manter o meu empenho e concentração nas aulas e isso foi muito importante", concluiu.

Francisca Dias frequentava a Escola Secundária Rainha Dona Amélia quando começou o primeiro confinamento geral. Teve algumas dificuldades: “A escola não possuía equipamento e materiais adequados para fazer o ensino à distância e tinha muitos problemas no meu computador pessoal porque era um computador antigo, desligava-se de repente, não dava para ligar o microfone, entre outras dificuldades".

Speranza Pecchini, de 14 anos, vive com a mãe na região de Emilia Romagna, em Itália. Neste momento, a escola secundária que frequenta tem um horário que permite a deslocação em dias alternativos para ter aulas presenciais. Durante o fecho da escola, em 2020, sentiu muita diferença. "Foi e continua a ser muito cansativo. É difícil fazer os testes escritos porque os documentos são enviados em diversos formatos. Fazem, principalmente, testes orais quando estão nas aulas online. A comunicação é sempre interrompida quando há falha na ligação da Internet", afirma a mãe da Speranza.

Na Suécia, desde o início da pandemia, o governo sempre tentou limitar o efeito do isolamento nas crianças, mantendo as escolas primárias abertas o máximo de tempo possível. Mattias Wallman e Linda Johansson, pais de Sara e Alfred, vivem em Gotemburgo e contam-nos que durante a maior parte do ano de 2020 os filhos frequentaram a escola normalmente. No entanto, em dezembro desse ano, devido ao elevado número de mortes registadas na segunda vaga, o governo sueco decidiu fechar as escolas secundárias. “Em dezembro, após o aparecimento de alguns casos de COVID-19 na turma da Sara e também noutras, a escola e as autoridades sanitárias decidiram fechar o estabelecimento e fazer o ensino à distância nas últimas duas semanas do mês", disse Mattias. Segundo ele, as escolas e as comunidades locais receberam medidas para introduzir o ensino doméstico, o home schooling, caso as medidas para mitigar a propagação do vírus não fossem suficientes.

Sara Wallman. Foto cedida por Mattias Wallman ao SAPO
Sara Wallman. Foto cedida por Mattias Wallman ao SAPO

A 12 de novembro de 2020 a UNESCO organizou um fórum sub-regional, focado no Sudeste Asiático, para dialogar sobre as políticas estratégicas de educação durante a pandemia de COVID-19, para explorar a política, a estratégia e o plano educativo capaz de enfrentar os obstáculos que permaneceram e ainda existem. Cerca de 30 dos principais representantes do Ministério da Educação dos países desta região participaram no evento. Expressaram a preocupação com o fato de que a crise social, humana e económica sem precedentes, causada pela pandemia, ter exposto a fragilidade e interdependência do mundo, afetando todos os países, comunidades e famílias, especialmente os mais marginalizados. A crise da COVID-19 não pode ser reduzida a uma crise pública, pois colocou em perigo os direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à educação, concluiu o fórum.

José Ramos-Horta, timorense laureado com o Nobel da Paz, elogia o programa "Eskola ba Uma" (Escola em Casa, em tétum) implementado pelo Ministério da Educação timorense, lançado nas rádios e nas televisões. Mesmo assim, achou que "não havia possibilidade das crianças timorenses seguirem o programa com facilidade porque não existia motivação e subsiste a falta de conectividade [à Internet]". Isto porque o programa só funcionava em Díli e em algumas cidades que têm acesso à Internet.

Cris Carrascalão, mãe de Sofia, esteve em Timor-Leste até há pouco tempo e partilha da opinião de Ramos-Horta. A Sofia frequentava o quarto ano na Escola Portuguesa de Díli, tinha possibilidade de seguir os seus estudos à distância, sempre acompanhada pela mãe. Mas outros não tinham essa sorte. "Um vizinho tinha duas crianças à sua responsabilidade, além dos seus próprios filhos (outros dois), e optaram por voltar à aldeia. A aldeia fica a 45 quilómetros de Díli, nas montanhas de Liquíça”, conta. “O mau estado da estrada não é o maior problema, pois nesta aldeia ainda nem sequer há eletricidade. Então, decidimos ajudar com um gerador pequeno e uma televisão que podiam ligar durante as horas dos programas de ensino à distância. Os pais agradeceram, mas disseram que não era preciso porque tanto os pais como os avós não sabem ler, além de que os filhos não tinham quaisquer livros na escola. Uma solução que tivemos para ajudar aquela família foi permitir que um dos miúdos, o mais novo, viesse a nossa casa todos os dias para estudar com a Sofia", testemunha Cris Carrascalão.

Em Singapura, segundo o canal Channel News Asia, o Ministério da Educação fornece os aparelhos de aprendizagem pessoais e garantiu a continuidade do Programa de Alimentação Escolar para os alunos que necessitassem desse tipo de assistência. Dina Guterres, uma portuguesa mãe de três crianças, vive com a família nesta cidade-estado há quatro anos e confessa ao SAPO que "às vezes é difícil manter as crianças concentradas nas aulas porque também estamos a trabalhar em casa e ainda temos connosco a filha mais nova".

Foto cedida por Dina Guterres ao SAPO
Foto cedida por Dina Guterres ao SAPO

Apesar disso, afirma que não houve nenhuma dificuldade na adaptação a este novo modelo de ensino: "os mais velhos, com nove anos e sete anos, estão numa escola privada e o ensino online está muito bem organizado", admite.

O ministro da educação indonésio, Nadiem Anwar Makarim, disse em março de 2020, em entrevista à CNN Indonesia, que "há vários pormenores em que diretores de escolas e professores precisam de ser criativos, para serem capazes de lidar com as limitações. Principalmente em regiões que não têm acesso [à internet e à eletricidade]". Afirmou também que a pandemia foi um desafio na implementação dos novos métodos de aprendizagem, concluindo que o seu resultado só poderá ser visto nos próximos 10 a 15 anos.

A professora Dionisia Apeliling, que dá aulas de inglês na Ilha das Flores, na Indonésia, teve de adaptar o seu método de ensino. "Procurámos todas as maneiras para manter o funcionamento da escola, desde o ensino à distância até levar fotocópias de matérias às casas dos alunos. Infelizmente, nem todos os alunos da aldeia têm telemóveis. Neste momento, já regressámos à escola e usamos o sistema por turnos", disse em dezembro do ano passado ao SAPO. Esta professora também teve de enfrentar o obstáculo de tentar encontrar os alunos porque muitos deles trabalham no campo, ajudando os seus pais agricultores.

A falta de apoio educacional também foi sentida no Japão. Shuki Koga, uma aluna da Universidade Internacional do Japão, confessa que "é difícil dizer que todos os japoneses receberam apoio igual da parte do governo, devido à falta de informação". Shuki ainda teve alguma dificuldade para se familiarizar com a plataforma Zoom usada na faculdade quando, na primavera de 2020, o governo japonês forçou o fecho do ensino presencial.

Shuki Koga, uma aluna da Universidade Internacional do Japão
Shuki Koga, uma aluna da Universidade Internacional do Japão. Foto cedida por Shuki Koga ao SAPO

Na Índia, mais de 1,5 milhões de escolas fecharam devido à pandemia, afetando 286 milhões de crianças do pré-primário ao secundário. Isso soma-se aos seis milhões de crianças e jovens que já estavam fora da escola antes da COVID-19, segundo o jornal India Today. Segundo um relatório da UNICEF, divulgado em agosto de 2020, apenas 24% das famílias indianas têm acesso à Internet para aceder ao ensino online e existe uma grande fratura entre a área rural e a cidade, o que acentuará as desigualdades no acesso à aprendizagem entre as famílias da classe alta, média e baixa.

Saudades de uma escola como local de convívio e socialização

Para Lincoln Justo da Silva, pediatra e professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, há uma grande necessidade de socialização principalmente entre os mais jovens e sobretudo entre as crianças mais pequenas, para que o seu desenvolvimento seja saudável. "A socialização ocorre inicialmente na própria família e, muito precocemente, continua pelo infantário, creche e escolas do primeiro ciclo. Através dos modelos parentais, dos cuidadores e dos seus pares, a criança vai estruturando a forma como interage, fazendo evoluir a sua autoconfiança e o modo como irá trabalhar as emoções e sentimentos. O afastamento destas oportunidades de organização pessoal e social têm uma influência nociva sobre o desenvolvimento, com consequências que poderão prolongar-se por muito tempo", explica.

Joana Santos, educadora num jardim de infância na Amadora, afirma que, durante o primeiro período de confinamento em 2020, atravessou uma fase de "desespero" porque "muitos dos encarregados de educação procuravam em mim as respostas às quais também eu não tinha explicação para lhes dar". Após vários esforços realizados com a equipa de trabalho do jardim de infância, conseguiu realizar e partilhar atividades pela Internet, "fazendo assim a ponte entre o jardim de infância e a casa" onde vivem as crianças.

Lua de Sousa Pereira, na altura, frequentava a Escola Básica de Terrugem, no Alto dos Moinhos em Lisboa, disse que não tinha dificuldade em seguir as aulas online durante o primeiro confinamento, mas sentiu, sobretudo, falta "de contato próximo com os colegas".

Mattias Wallman frisa, igualmente, que a filha Sara sentiu falta dos amigos e da interação social: “durante as aulas eles faziam intervalos onde podiam conversar e jogar alguns jogos, mas acho que não é exatamente o mesmo quando se encontram pessoalmente".

Como recuperar e revitalizar a educação para a geração da COVID-19?

No Dia Internacional da Educação, que se celebrou no passado dia 24 de janeiro, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, deixou um aviso: apesar das inovações no ensino a distância, a pandemia frustra esperanças de um futuro melhor entre os mais vulneráveis. A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) revela que na segunda fase de contaminações em massa do novo coronavírus cerca de mil milhões de alunos continuam, neste momento, afetados por encerramentos totais ou parciais das escolas. Antes da pandemia, "cerca de 258 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola, a maioria meninas” e “mais de metade dos alunos com dez anos de idade em países de baixos e médios rendimentos não conseguiam aprender a ler um texto simples", afirma a ONU.

A organização afirma que a pandemia foi um sinal de alerta para tornar os sistemas de educação mais resistentes às crises e mais inclusivos, flexíveis e sustentáveis. No entanto, esses mesmos sistemas conseguiram demonstrar capacidade de inovação, ampliando as fronteiras das possibilidades de aprendizagem e ajudando os professores a garantir a aprendizagem como um bem público de todos.

Tendo como base o lema do dia Internacional da Educação, a UNESCO pretende dar voz à geração da COVID-19, para que estes jovens expressem as suas preocupações e aspirações perante um futuro marcado por uma recessão económica e pelas alterações climáticas, para além da pandemia.

O professor e pediatra Lincoln Justo da Silva alerta ainda para o facto de que quando terminar este confinamento as famílias, as escolas e os grupos de apoio terão de estar muito atentos ao desenvolvimento psico-emocional das crianças e dos adolescentes. Na verdade, a luta contra a pandemia também deve incluir a garantia de que parte da humanidade, especificamente os mais jovens e pobres, não é deixada para trás, aumentando o fosso de desigualdades que já existe, até porque o objetivo da educação é precisamente o contrário.