“Os turistas estavam a tentar sair das Canárias, o autocarro que ia para o aeroporto estava cheio de gente muito stressada, acho que foi a altura mais assustadora da pandemia”, recorda Bárbara Ambrós, sobre a saída de Tenerife, onde estava de férias com o seu companheiro em março de 2020, quando Espanha e Portugal fecharam fronteiras.

Ela é natural de Premià de Mar, uma cidade perto de Barcelona, e vive nos Açores há seis anos. Passou um mês em São Miguel e foi logo de seguida para o Corvo estagiar na Sociedade Portuguesa para o Estudo de Aves, através de um programa europeu, e onde ficou mais três anos. Depois, em 2018, e ainda na ilha mais pequena do arquipélago passou para o Centro de Interpretação de Aves Selvagens do Corvo, onde é atualmente a bióloga responsável. Ele, o companheiro, é natural do Pico, mas vive no Corvo há 22 anos.

“O plano era estarmos fora duas semanas. Saímos do Corvo no dia 9 de março e só regressámos passado um mês e meio”, conta Bárbara. O primeiro caso de COVID-19 na Península Ibérica foi detetado na ilha de La Gomera, nas Canárias, no último dia de janeiro de 2020.

O casal saiu de Tenerife para Barcelona e lá ficaram em casa da mãe de Bárbara para não terem de pagar hotel indefinidamente. Ali,já não havia stress nem confusão e o silêncio ocupava a cidade.

“Estava tudo fechado, ninguém no aeroporto, ninguém nas ruas, foi desolador ver a minha cidade assim”, conta Bárbara.

A partir de Barcelona, com o espaço aéreo internacional fechado, orquestraram um plano: seguir para Vigo de avião de autocarro até Tui para passar a fronteira terrestre já de documento válido em mão. Da Galiza, cruzar o Minho até ao Porto e apanhar comboio para Lisboa, e dali voo para São Miguel e depois para o Corvo.

“Em Espanha tudo parado e em Portugal parecia que nada se passava”

Em Portugal, o primeiro caso chegou um mês depois, a 2 de março e o silêncio de Barcelona chocava com o ritmo dos dias em Portugal, mesmo estando o país já em estado de emergência: “Era como se fossem dois mundos diferentes: em Espanha, tudo parado e tudo fechado e tanto no Porto como em Lisboa, era como se nada de se passasse, as pessoas estavam muito mais relaxadas, havia menos controlos policiais, o mais difícil foi a entrada nos Açores.”

Depois de duas semanas em isolamento profilático em São Miguel, o teste negativo deu-lhes o acesso ao Corvo, mas não a autorização para poderem sair de casa. Foram precisos mais 14 dias de isolamento. E assim se passaram quase dois meses desde que foram de férias.

“No primeiro dia que saí foi lindo, muito bonito mesmo, agradeci muito estar fora e ver o mar e o sol, tinha muitas saudades. Temos um cão e galinhas e pude ir passear e ir à horta, foi mesmo muito, muito bom”, recorda a bióloga quando pôde finalmente sair de casa.

Bárbara Ambros

Máscaras, amizade e receio

Nesta altura, os corvinos continuavam sem casos positivos, mas já tinham aprendido a lidar com as regras que a pandemia exigia. O café, o restaurante, a escola e outros serviços tinham reaberto e as pessoas já se tinham habituado ao distanciamento social.

“Algumas pessoas vinham trazer-nos comida, outras perguntavam se precisávamos de algo, mas também havia receio porque vínhamos de fora”, recorda a bióloga.

Longe dos epicentros do vírus, das suas variantes, dos hospitais a rebentar pelas costuras, e das mortes, “o Corvo conseguiu viver de uma forma mais ou menos normal”. “Fazia-se uma vida informal quase sem máscaras, só se usavam nos serviços, nas escolas, e nos locais obrigatórios, no meu trabalho também tinha de usar...”, explica.

Primeiro positivo e alerta vermelho

O  primeiro caso positivo de COVID-19 no Corvo foi registado a 23 de janeiro e o médico da ilha, que é também o delegado de saúde, deu ordem para confinar. Tudo isto coincidiu com a chegada de Justine, uma tempestade que assolou a ilha e que ajudou a manter os seus 430 habitantes para dentro de casa.

O café, o restaurante, a escola, e os serviços voltaram a fechar portas. Numa ilha com 17 quilómetros quadrados, onde o Caldeirão divide protagonismo com a vila, “a vida social é muito importante para quase todos os habitantes”, explica Bárbara.

Caldeirão
A lagoa do Caldeirão é formada no interior da cratera do vulcão que deu origem à ilha créditos: Bárbara Gouveia

Quando se fala de saúde no Corvo é natural ouvir-se falar de Força Aérea, de evacuações e dos hospitais das ilhas maiores. Existe uma Unidade de Saúde, um médico e duas enfermeiras, que respondem à grande parte das situações, mas, “em momentos críticos como em março do ano passado, e quando foram detetados os casos positivos, sente-se o medo de não haver hospital”

“Há muitos idosos e se houvesse um contágio muito grande poderia ser dramático, as pessoas são muito conscientes disso e respeitam as normas, ficam em casa e não convivem umas com as outras”, explica.

Testes, recontros e imunidade

Com o segundo caso confirmado, e último até à data, testou-se quase toda a população. Depois do mau tempo e do confinamento obrigatório, “os dois dias de testagem no ginásio da escola acabaram por se tornar um reencontro entre os habitantes da ilha”.

Os resultados negativos chegaram em massa ao mesmo tempo que a notícia que as vacinas chegariam em breve e para todos. Entre 17 e 19 de fevereiro deste ano, foram vacinadas 306 pessoas e está agendada a toma da segunda dose para março.

Sabendo que até à segunda dose não há garantia de imunidade, “as pessoas estão a fazer a vida com os cuidados de sempre”.

Dos 310 habitantes suscetíveis de serem vacinados, apenas quatro não receberam a primeira dose, uns por estarem fora da ilha e outros por convicção. Bárbara pertence a este último grupo. Para ela, “é uma medida que pode ser preventiva, mas ao mesmo tempo invasiva”. “Não sou de risco nem vulnerável, a imunidade de grupo está criada e decidi por enquanto esperar”, explica, adiantando que se vivesse noutro local mais povoado também preferiria aguardar mais um pouco para ver comprovada a eficácia da vacina.

O verão, os pássaros e o turismo

Entretanto, com a possibilidade de ser o primeiro território português a ficar imunizado, criam-se algumas expectativas para o tão esperado regresso à normalidade e a possível retoma do turismo.

No verão passado, o impacto da pandemia foi colmatado por apoios do Governo dos Açores que promoveram o turismo interno. No entanto, apesar de periférico para quase todos, o Corvo é um destino central para os observadores de aves europeus, chegando a receber quase uma centena de birdwatchers no outono e início do inverno.

“Vêm à procura de aves migratórias neárticas, ou seja aves de origem americana, que são arrastadas pelas tempestades do Atlântico e passam pelos Açores. A ilha não faz parte da sua rota migratória, mas acabam por ser arrastados. É raro poder-se ver estas aves na Europa e, como o Corvo é muito desflorestado, é mais fácil verem aqui estas aves”, explica a bióloga.

“Vêm duas ou três semanas e varrem a ilha inteira. Têm pouca interação com os corvinos, mas há muito impacto na economia”, explica a bióloga.

Bárbara antecipa que o ritmo normal da ilha vai depender sobretudo das medidas do Governo. “O Corvo pode estar a ficar livre, mas vêm pessoas de fora que não foram vacinadas... Mesmo que se comece a abrir o país e as fronteiras o quanto antes, está muito longe de voltar a ser como foi, talvez daqui a dois anos...”