Um ano após terminar o prazo, o Programa Nacional de Regadios (PN Regadios) não chegava a 40% de execução. Dos 538 milhões previstos para novas infraestruturas e obras de reestruturação de outras existentes, foram gastos apenas 146 milhões dentro do prazo, com o governo a assumir uma execução inferior a 40% (218 milhões) no final do ano passado, quando decidiu em Conselho de Ministros prolongar o programa até 2028, reforçando a dotação em 70 milhões.

O que não disse foi que as obras já não contarão com o financiamento do Banco Europeu de Investimentos (BEI), que previra uma verba de quase 200 milhões para o PN Regadios. Que foi pelo cano.

E se o resvalar dos prazos, na gestão da anterior titular da pasta, Maria do Céu Antunes, resultou na perda dessa linha de crédito, que entretanto chegou ao fim, o governo nunca avisou os autarcas de que as obras que estavam a fazer já não contariam com o crédito do BEI.

"O senhor presidente da Câmara pensa que tem um projeto aprovado pelo BEI, no âmbito do Plano Nacional de Regadios", mas isso não existe, esclareceu o atual ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, perante o autarca de Valpaços, no Congresso Nacional do Azeite. Prometeu, ainda assim, que iria "resolver" o "buraco de 61 milhões de euros" em projetos em que os autarcas já gastaram dinheiro, e que perderam aquela janela quando a linha de financiamento chegou ao seu prazo natural, no final de 2022.

À data, a instituição de crédito informou o governo de que a linha de financiamento se encerrara e Portugal perdera o acesso àquelas verbas. Mas isso não impediu Maria do Céu Antunes de continuar a publicitá-la, lamenta José Manuel Fernandes. "A 21 de fevereiro de 2023 o BEI comunicou ao governo a rescisão unilateral do contrato de financiamento por incumprimento do governo português, mas em junho de 2023, por exemplo, foram feitas sessões onde ainda se falava de financiamento de projetos para o BEI", denuncia.

A própria Confederação Nacional dos Agricultores (CNA) alertara já para a oportunidade perdida. "A falta de investimento no regadio e a não execução dos projetos são gravíssimas para o setor e para o país", vincava, no arranque do ano, reagindo ao anúncio da prorrogação do PN Regadios, acusando o governo de Costa e em particular a ministra da tutela de iludirem a opinião pública com anúncios sucessivos dos mesmos fundos e planos. No caso, um Programa que devia ter beneficiado o país com 560 milhões para infraestruturas fundamentais a funcionar até ao final de 2022.

Desse montante, foram investidos até à data de hoje 218 milhões: menos de 40% do que devia estar plenamente executado há mais de um ano. No início de 2023, sem que os projetos estivesse executados, aconteceu o previsível: o BEI fechou a torneira. "Os programas de financiamento europeus obedecem a regras e prazos fixos — caso contrário, as instituições ficavam indefinidamente com o dinheiro bloqueado, sem poderem abrir novas linhas para outros projetos", explica ao SAPO fonte conhecedora dos processos.

O anúncio original do PN Regadios foi feito com pompa e circunstância ainda por Capoulas Santos, ministro da Agricultura em 2018, quando revelou que o plano seria financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) em 267 milhões de euros, pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) em 187 milhões e pelo Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB) em mais 80 milhões. Em Vila Franca de Xira, ao lado do seu ministro da Agricultura, António Costa falava então numa "iniciativa de futuro", reveladora do "empenho do governo em apoiar a agricultura nacional e em estimular os produtores nacionais a continuarem o investimento num setor de futuro", num contexto mais desafiante, decorrente das alterações climáticas.

O Programa, a concretizar-se até 2022, abrangeria áreas de novo regadio (54 032 ha) e áreas de reabilitação e modernização de regadio (41 053 ha), "para além de contemplar um conjunto significativo de impactos indiretos numa área agrícola de grande dimensão", com particular impacto no Alentejo (66 mil hectares intervencionados) mas cujos efeitos se refletiam de Norte a Sul, com potencial de criar mais de 10 mil empregos e um valor bruto acrescentado de 280 milhões de euros por ano à agricultura nacional.