As Jornadas deste ano são um marco, uma vez que se trata da 10.ª edição. O que tem mudado ao longo destes 20 anos (uma vez que se realizam de dois em dois anos), tanto na forma e formato das Jornadas, como na evolução científica do diagnóstico e tratamento em Endocrinologia e Diabetes?
As Jornadas começaram a realizar‑se em 2005 e têm ocorrido de dois em dois anos, nos anos ímpares. Houve um ano, que todos recordamos, em que a epidemia de covid-19 alterou o programa: originalmente marcadas para 2021, passaram para 2022. Em 2023 retomámos a sequência normal e, este ano, estamos na 10.ª edição. A evolução científica traduzida na prática clínica tem sido substancial sobretudo, mas não exclusivamente, na área da diabetes e da obesidade.

A forma como encaramos e tratamos a pessoa com obesidade e as pessoas com diabetes tipo 2 e tipo 1 evoluiu marcadamente em comparação a 2005. Temos fármacos muito mais eficazes, com benefícios que ultrapassam, no caso da diabetes, o simples controlo glicémico. No caso da obesidade, dispomos igualmente de medicamentos potentes, com múltiplos efeitos benéficos e há novos fármacos e novos benefícios a caminho.

Surgiram, também, novos fármacos e modelos de tratamento para várias outras doenças endócrinas, o que motiva este update na área da endocrinologia em geral, onde se incluem, obviamente, a diabetes e a obesidade.

 

E, em termos das Jornadas, mantiveram o formato?
Sim, mantemos o formato de dois dias, com algumas variações. Uma situação inovadora foi a decisão de abrir a submissão de trabalhos para apresentação.

Acresce que teremos a honra de contar com dois palestrantes estrangeiros; O Dr. Manfredi Rizzo vai falar sobre o presente e o futuro do tratamento das pessoas com dislipidemia, dado que tivemos novidades muito recentemente e que, no futuro, se prevê a chegada de novos fármacos para tratar de forma mais eficaz estas condições. Vamos ter também a Dr.ª Tsvetalina Tankova, que integra o board que elabora as linhas de orientação para o tratamento da diabetes tipo 2 das duas principais sociedades de diabetes: a European Association for the Study of Diabetes e a American Diabetes Association. Portanto, teremos este ano, nas Jornadas da ULS, duas personalidades de renome internacional, o que constitui uma mais-valia, enriquecedora das celebrações da 10.ª edição.

Outra inovação desta 10.ª edição das Jornadas, foi o reconhecimento do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo da ULS a um dos seus antigos diretores, com a criação da figura de Presidente das Jornadas. Para tal, convidámos o Dr. Luís Gardete Correia, que em 2005 era diretor do nosso serviço e esteve envolvido no arranque da 1.ª edição destas Jornadas.

 

Referiu avanços sobretudo na diabetes e na obesidade, mas estas doenças continuam subdiagnosticadas e tratadas tardiamente. Quais os próximos passos para mudar esta realidade?
Mais do que a diabetes, é a obesidade a que mais continua subdiagnosticada e, sobretudo, subtratada. No caso da diabetes, temos fármacos potentes com benefícios extra‑glicémicos, mas os dados clínicos nacionais mostram que ainda não são tão amplamente utilizados quanto seria desejável.

Também na diabetes tipo 1 houve grandes avanços, nomeadamente nas formas de monitorização do controlo glicémico. Atualmente, dispomos de sistemas eficazes de monitorização da glicose intersticial que permitem avaliar o controlo metabólico 24 horas por dia.

Temos, igualmente, adotado as novas tecnologias, como as bombas infusoras de insulina, que já existiam há 20 anos, mas que, hoje, são acessíveis a um universo muito mais alargado de pessoas elegíveis, traduzindo‑se numa melhoria efetiva do controlo glicémico.

 

Quais são, então, os desafios em Portugal para tratarmos melhor os doentes com obesidade e começarmos a tratá‑los atempadamente?
Em relação à obesidade, é urgente sensibilizar os profissionais de saúde, especialmente os médicos, para reconhecerem que a obesidade é uma doença. Não resulta de falta de força de vontade; é uma doença neurobiológica, geneticamente determinada, em que a pessoa luta contra a sua natureza. Portugal foi pioneiro no reconhecimento da obesidade como doença há 21 anos, mas esse reconhecimento no papel não se tem traduzido em atuação condizente à dimensão do problema.

Hoje, sabe‑se que o tratamento efetivo da obesidade assenta em três pilares: intervenção cognitivo‑comportamental, terapêutica farmacológica e, nos casos elegíveis, intervenção cirúrgica, complementados por apoio nutricional e de atividade física. Sem a intervenção comportamental e farmacológica, a maioria dos tratamentos fica condenada ao insucesso.

 

Como avalia o tratamento e seguimento dos doentes com obesidade na ULS São José?
Ainda no final dos anos 90, começou a ser criada uma consulta de obesidade, em que eu e o Dr. Américo Martins procurámos envolver várias outras valências. Mas foi em 2003 que foi oficializada a abertura da Consulta Multidisciplinar de Obesidade, envolvendo Endocrinologia, Nutrição e Psicologia, mas, também a Cirurgia e a Anestesiologia. Tal consulta acompanhava doentes em tratamento médico, mas, também, doentes para tratamento cirúrgico. Em 2014, com a fusão das duas unidades cirúrgicas (Hospital de Curry Cabral e Hospital de São José) em uma só, separou-se a vertente cirúrgica da não cirúrgica. Assim, manteve-se a Consulta Multidisciplinar de Obesidade para tratamento não cirúrgico da pessoa com obesidade e, para tratamento bariátrico, evoluiu-se para a Clínica de Tratamento Cirúrgico da Obesidade, mantendo-se a colaboração de elementos do nosso serviço.

Assim, presentemente, a ULS são José consegue dar uma resposta global no tratamento da pessoa com obesidade. Contudo, um problema premente são as longas listas de espera…

Falando da ULS São José, como encara este novo modelo organizacional?
Este novo modelo preconiza uma integração dos cuidados, entre os cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares. No caso da Endocrinologia, temos promovido reuniões para integrar ambos os cuidados, tornando os canais de comunicação mais eficazes. Trabalhamos em conjunto com os responsáveis dos cuidados de saúde primários para definir critérios específicos de encaminhamento para o nosso serviço.

Embora sejamos o maior Serviço de Endocrinologia da região Sul, temos visto um aumento exponencial nos pedidos de consulta, provenientes não só da ULS São José, mas de todo o distrito de Santarém, da Margem Sul do Tejo, da linha de Cascais e da linha de Sintra. A inexistência de áreas de influência faz com que a resposta possível do nosso serviço funcione como um íman, absorvendo doentes de várias outras regiões, o que leva a que tenhamos incapacidade em dar resposta atempada a todos os pedidos que nos chegam.

 

Vê essa alteração com bons olhos?
Sim. Estamos em processo de implementação da integração de cuidados e espero que isso se traduza em mais-valia na melhoria da qualidade e da rapidez do tratamento das pessoas com doenças endócrinas.

 

Para terminar, que mensagem deixa aos participantes?
Criámos um programa abrangente, focado nas três principais áreas de atuação da Endocrinologia: patologia tiroideia, diabetes e obesidade, mas abordando várias outras patologias endócrinas prevalentes. A meu ver, trata-se de um programa extremamente atrativo, com palestrantes de renome nacional e internacional. Espero que todos os congressistas usufruam do congresso, esclareçam todas as dúvidas prementes e levem consigo ensinamentos baseados no conhecimento atual das melhores práticas em Endocrinologia.

Sílvia Malheiro

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