
A propósito da minha viagem aos Açores, esta semana, lembrei-me de analisar o setor do pescado, mesmo sendo um tema “lateral” a estas Crónicas Rurais.
Portugal é um dos maiores consumidores de peixe per capita do mundo, com cerca de 60 kg por pessoa por ano. O peixe é parte do nosso património alimentar e cultural — do bacalhau às sardinhas, nada nos falta à mesa. O problema é que, cada vez mais, esse peixe não é nosso.
A balança comercial do setor do pescado registou, em 2023, um défice superior a 1,1 mil milhões de euros, o que corresponde a cerca de 20% do défice agroalimentar português (em 2023, o saldo da balança comercial agroalimentar atingiu um défice de 5,7 mil milhões de euros; uma “brutalidade”!).
Relativamente ao pescado, produzimos pouco, importamos muito e, como resultado, somos estruturalmente dependentes do exterior para alimentar o nosso apetite pelo mar. É verdade que, em 2023, o bacalhau representou uma parcela significativa deste défice, com o valor de 396 milhões de euros, o que representa um peso considerável no saldo comercial do setor.
Este défice não é caso único na nossa balança agroalimentar. Também no setor dos cereais (em 2023, este setor representou 22% do défice agroalimentar português) a dependência externa é elevada e histórica — em boa parte porque o nosso território, com solos pobres e clima seco em grande parte do ano, não oferece condições ideais para a produção cerealífera em grande escala e a custos competitivos. Ou seja, no caso dos cereais, a dependência é, até certo ponto, estrutural e inevitável.
Mas com o pescado, a história é outra. Portugal tem uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de cerca de 1,7 milhões de km², quase 20 vezes maior que o território terrestre nacional. É uma das maiores ZEE da Europa e do mundo. Em teoria, somos uma potência marítima. Na prática, somos uma economia piscatória “adormecida”. O país com um dos maiores “mares” da UE tem um dos maiores défices na balança de produtos do mar. Acho, por isso, que é razoável concluir que não é por falta de mar, mas sim por falta de estratégia.
As causas deste desequilíbrio são múltiplas. Desde logo, a nossa frota pesqueira está envelhecida e a renovação geracional é escassa. Há ainda o tema das quotas de pesca impostas pela União Europeia que reduzem significativamente o que podemos capturar. De qualquer forma, nem isso temos sido capazes de aproveitar. Segundo as Estatísticas da Pesca, do INE, em 2023, apenas usámos 29% da quota de pesca nacional e, em 2024, aproveitámos 26% da quota.
Por outro lado, há um desfasamento entre o que consumimos e o que conseguimos produzir. As espécies preferidas pelos portugueses — como o bacalhau do Atlântico Norte e o salmão da Noruega — não existem nas nossas águas ou não são capturadas em escala. A indústria nacional de transformação, embora com excelentes exemplos (como as conservas), continua a importar grande parte da matéria-prima já processada, perdendo valor na cadeia. E a aquacultura, que podia ser parte da solução, tem evoluído lentamente, travada por burocracia, dificuldades de licenciamento e falta de escala.
A pergunta, portanto, não é apenas "porque importamos tanto", mas sim: o que podemos fazer para inverter este ciclo?
A resposta passa, antes de mais, por uma estratégia clara e articulada. É preciso apostar decididamente na aquacultura nacional, com simplificação administrativa, incentivos ao investimento e valorização de espécies locais. É urgente renovar e modernizar a frota pesqueira, com critérios de sustentabilidade, e atrair novas gerações para a atividade. A indústria de transformação deve ser apoiada na criação de valor — filetagem, congelamento, produtos prontos a consumir — e na criação de clusters que liguem produção, transformação e distribuição.
Também é necessário educar o consumidor, promovendo espécies nacionais menos valorizadas, e substituir gradualmente parte das importações por alternativas produzidas cá dentro.
O mar português tem escala, recursos e potencial. Os saberes e tradições também. Mas sem políticas públicas coerentes, planeamento de longo prazo e investimento em inovação, o peixe continuará a vir de fora.
Portugal tem condições para reduzir o défice do pescado, tal como conseguiu noutros setores agroalimentares. Promover o consumo de pescado nacional é um passo essencial para reforçar a soberania alimentar, dinamizar a economia azul e valorizar os recursos que o mar português tem para oferecer.
Há tanto para fazer que o desafio está em passar das intenções às ações.
Engenheiro agrónomo e diretor-geral da Consulai