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Os desafios da produção num mundo em transformação

O atual contexto aumenta os riscos, mas cria também oportunidades, e ambos exigem uma adaptação estratégica do setor agroalimentar.
Os desafios da produção num mundo em transformação
LUSA/Nuno Veiga

Nos últimos anos, a interseção entre geopolítica e agricultura tem-se tornado cada vez mais evidente. Os produtores europeus enfrentam um cenário em rápida evolução, marcado por tensões comerciais, mudanças climáticas, instabilidade nos mercados globais e desafios internos no seio da própria União Europeia. Este contexto aumenta claramente os riscos, mas cria também oportunidades, e ambos exigem uma adaptação estratégica do setor agroalimentar.

A resiliência da agricultura europeia depende da sua capacidade de se ajustar a um ambiente volátil, onde os fatores externos desempenham um papel cada vez mais determinante na forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos.

A crescente fragmentação do comércio global, impulsionada por conflitos internacionais, sanções económicas e novas políticas protecionistas, tem afetado significativamente as cadeias de abastecimento agrícolas. A dependência da União Europeia na importação de fertilizantes, de cereais e de outras matérias-primas expôs fragilidades estruturais que foram evidenciadas, por exemplo, pela guerra na Ucrânia. A instabilidade no Mar Vermelho e as crescentes tensões com potências como a China e os Estados Unidos adicionam camadas de incerteza ao acesso a fatores de produção essenciais e mercados estratégicos. Esta conjuntura leva a uma instabilidade dos preços das commodities agrícolas e da energia, criando um efeito cascata sobre os custos de produção dos agricultores europeus.

O aumento dos custos energéticos tem sido um dos fatores mais disruptivos para o setor agroalimentar europeu. A escalada dos preços do gás natural, desencadeada por tensões geopolíticas e pela crescente descarbonização das economias, teve um impacto direto no setor dos fertilizantes. Como a produção de fertilizantes nitrogenados depende fortemente do gás natural, os custos de produção dispararam, levando a uma queda na sua utilização por parte dos agricultores. Este fenómeno tem forçado mudanças nos sistemas produtivos, com um maior foco na eficiência do uso de fertilizantes, no recurso a alternativas orgânicas e em práticas agrícolas que reduzam a dependência dos fertilizantes de síntese. Contudo, estas adaptações exigem tempo, investimento e um suporte adequado por parte das políticas públicas, para que a transição ocorra sem comprometer a produtividade e a competitividade da agricultura europeia.

A resposta da União Europeia a estes desafios tem sido marcada por um equilíbrio delicado entre regulação e flexibilização, procurando garantir a sustentabilidade da produção agrícola sem comprometer a viabilidade económica do setor. O recente pacote Omnibus reflete essa necessidade de adaptação aos tempos atuais, trazendo medidas que visam reduzir a carga burocrática sobre os agricultores, flexibilizar o cumprimento de certas exigências ambientais e melhorar a resiliência do setor. Estas mudanças procuram responder às dificuldades acrescidas pelos elevados custos de produção e pela crescente instabilidade dos mercados. No entanto, a sua implementação exige um acompanhamento rigoroso para garantir que a simplificação regulatória não compromete os objetivos de longo prazo da transição ecológica, mantendo a Europa competitiva num cenário global cada vez mais desafiante.

A dependência de mercados externos para a exportação de produtos agroalimentares expõe o setor a mudanças abruptas nas políticas comerciais e às oscilações da procura global. A concorrência desleal de países com normas ambientais e laborais menos exigentes representa um desafio adicional, pressionando os produtores europeus a encontrar formas de diferenciação que justifiquem os custos mais elevados da produção na União Europeia. As alterações climáticas introduzem um elemento de imprevisibilidade na produtividade agrícola, aumentando a frequência de eventos extremos como secas, cheias e ondas de calor, que afetam diretamente a produção de alimentos e exigem novas estratégias de adaptação e resiliência.

A resposta europeia a estes desafios passa por um equilíbrio entre regulamentação e incentivo à inovação. A Política Agrícola Comum (PAC) e os fundos de recuperação devem ser instrumentos de apoio para que os agricultores possam investir em práticas mais sustentáveis, enquanto se garantem condições justas de concorrência com produtores de fora da União Europeia.

O futuro da agricultura europeia dependerá da sua capacidade de se adaptar rapidamente a um mundo em transformação, onde a geopolítica influencia cada vez mais as cadeias agroalimentares.

Para garantir a sua resiliência, será fundamental uma abordagem estratégica que combine inovação, investimento e políticas públicas eficazes, permitindo que o setor agrícola europeu continue a desempenhar um papel central na segurança alimentar global.

O próximo governo português, em particular o/a responsável pela pasta da Agricultura (e Alimentação?), terão de ser uma voz ativa no palco europeu para que estes temas sejam encarados com realismo. Os próximos tempos serão mesmo muito desafiantes.

Este texto foi publicado, quase na íntegra, na última edição do CONSULAI 360º, divulgada na semana passada.

Engenheiro agrónomo e diretor-geral da Consulai

As Crónicas Rurais são textos de opinião que incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Filipe Corrêa Figueira, João Madeira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.

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