“É publicamente notório, e claro como o dia, que Vossa Majestade Imperial não haveria podido obter sem mim a Coroa romana”, escreveu Jacob Fugger ao Imperador Carlos V, que foi eleito em 28 de junho de 1519 em Francforte, referindo-se ao financiamento da sua eleição, cerca de 65% dos 850.000 florins. “Jacob Fugger foi sem dúvida o mais poderoso banqueiro de todos os tempos. No Renascimento, a época em que Fugger viveu, o mundo era controlado por duas figuras: o imperador romano e o papa, e Fugger financiou os dois”, referiu o biógrafo, Greg Steinmetz no livro “O Homem Mais Rico de Sempre”.

O primeiro Fugger que se conhece instalou-se por volta de 1350 em Graben, perto de Augsburgo, onde explorava uma pequena quinta e era tecelão no inverno. Um dos filhos de Hans Fugger, também chamado Hans, instalou-se em Augsburgo em 1367 como tecelão e relacionou-se com a mais importante corporação da cidade, a dos têxteis. Quando morreu em 1409, legou uma fortuna de 3 mil florins, que “era já considerável para o tempo”, como salientou Richard Ehrenberg. A viúva continuou os negócios com os dois filhos, Andreas (1394–1457) e Jacob, O Velho, (1398–1469), que se separaram em 1454, quando a fortuna já estava em 11 mil florins.

Andreas faleceu em 1457 e os filhos Lucas, que liderava, Mathias, Jacob e Hans alargaram os negócios ao comércio de especiarias, fustão, sedas e lençóis – que era dominado por Veneza – aos Países Baixos, à Polónia, a Leipzig e até à Dinamarca. Esta casa ocupava-se ainda de transações financeiras e de transferência de fundos e tinham presença comercial em Veneza, Milão, Nuremberga e Antuérpia. Esta prosperidade esfumou-se após empréstimos imprudentes e, quando Lucas morreu em 1494, deixou mais dívidas do que bens.
A ascensão do ramo de Jacob, “O Velho”, foi mais lenta, mas mais segura. Dirigiu a corporação dos tecelões e pouco antes da sua morte em 1469, era o sétimo contribuinte de Augsburgo e a sua fortuna estava estimada em cerca de 15 mil florins. Quando morreu, os seus filhos Ulrich (1411-1510), Georg, (1453-1510), Hans e Peter prosseguiram a sua atividade comercial, e Marcus e Jacob (1459-1525) foram destinados à Igreja.

Neste braço da família, os negócios comerciais baseavam-se ema lã, algodão, fustão, sedas, frutas do Midi, especiarias e drogas medicinais. Ulrich e a mãe estavam em Augsburgo e dirigiam os negócios, Andreas e Hans foram para Veneza, Peter estava em Nuremberga, e, quando morreu foi substituído por Georg. Marc era o eclesiástico e, em 1471, foi para Roma, como secretário da Chancelaria Apostólica. Por sua vez Jacob estudava no seminário, desde 1469, tendo chegado a receber as ordens menores e o benefício de cónego de Herrieden.

Em 1473, durante passagem do imperador Frederico III por Augsburgo, Ulrich ofereceu-lhe brocados de ouro e prata, tecidos de seda e lã, e o monarca concedeu-lhes um brasão. “Foi a primeira transação dos Fugger com os Habsburgos”, disse Leon Schick, autor de “Jacob Fugger: un grand homme d’affaires au début du XVIe siècle”.

Jacob, O Rico, as minas e o Papa

Em 1478, apenas três dos sete irmãos homens estavam vivos e Georg e Ulrich pediram a Jacob que renunciasse ao clero e os ajudasse na gestão dos negócios. Jacob abandona “a sotaina para se tornar mercador”, e, aos 19 anos, foi estudar comércio para a Fondaco dei Tedeschi, o grande entreposto comercial de Veneza onde os Fugger tinham uma representação. Esta formação era comum nos filhos dos grandes mercadores alemães, que aprendiam as técnicas comerciais e de negócios, o italiano e a contabilidade das partidas dobradas (débito e crédito), pouco conhecida no Norte da Europa.

Esta aprendizagem permitiu que Jacob tivesse sido o primeiro, como sublinha Greg Steinmetz, a consolidar os resultados das múltiplas operações financeiras num único documento, a fazer auditorias aos escritórios dispersos pela Europa, e a ter um serviço de informações através da centralização dos relatórios dos diversos representantes, o que “lhe deu uma vantagem competitiva sobre rivais e clientes”. Muitas destes relatórios podem ser lidos em “The Fugger newsletters: News and Rumor in Renaissance Europe”.

Com a entrada de Jacob na gestão da Casa Fugger deu-se uma mudança no modelo de negócio, que deixou de ser apenas o comércio de especiarias, sedas e lãs e orientou-se para os negócios financeiros e mineiros. Em 1487, Jacob Fugger e António de Cavallis, de Génova, financiaram o Grã-Duque Sigismundo do Tirol, tendo como garantia as sociedades mineiras do Tirol.

No ano seguinte, a casa dos Fugger fez novo empréstimo ao Grã-Duque e ficou com o rendimento das minas de prata de Schwaz. Depois das explorações mineiras do Tirol e da Caríntia seguiram-se as minas de cobre de Neusohl na Hungria, entre outros negócios que fizeram de Jacob Fugger o principal comprador de cobre e prata e o principal banqueiro do imperador Maximiliano I.

Um dos grandes negócios de Jacob Fugger esteve relacionado com Roma, onde implantou uma representação que fomentou uma relação de negócios financeiros com o Papado, “então uma das maiores potências, tanto espiritual como temporal”, como disse Léon Schick. Desde o século XIII que os banqueiros eram indispensáveis às finanças pontifícias que dependiam em grande parte dos rendimentos eclesiásticos dos fiéis das igrejas, sobretudo da Europa. Muitas destas receitas eram pagas em bens que tinham de ser transformados em espécie.

Como escreveu León Schick, “Jacob Fugger dispunha de uma vasta organização de transporte e de venda, concebida para escoar o cobre húngaro em todas as regiões da Europa; e destas regiões podia fazer as transferências em dinheiro para a conta de Roma, enquanto as firmas italianas não tinham esta rede. Durante o primeiro terço do século XVI, os Fuggers foram um verdadeiro monopólio, e muito rentável, das transferências de bens da Igreja entre determinados países e Roma”.

Este autor destaca que durante o pontificado de Leão X, Jacob Fugger teve participação não só na atribuição de prebendas em Roma, como desempenhou um papel importante na Alemanha na febre do comércio de indulgências, que perderam o seu lado espiritual e tornaram-se uma forma de aumentar as receitas das igrejas, o que levou aos protestos e ao rompimento com a Igreja Católica de Martin Lutero em 1517.

Fugger e os reis portugueses

Em 1493, durante o reinado de D. Manuel I, entre 1495 e 1521, deu-se a primeira negociação com os Fugger para uma expedição luso alemã ao norte da China, que se gorou. A Coroa portuguesa necessitava sobretudo de prata e cobre para as trocas comerciais no espaço índico e por isso intensificaram-se as relações com os Fugger, tendo feito também empréstimos consideráveis a D. João III, que reinou entre 1521 e 1557, para a aquisição de cobre e outras despesas e investimentos.

As maiores reservas de cobre encontravam se na Europa Central, destacando se as minas de Goslar, Eisleben ou Mansfeld no Harz, de Kutná Hora na Boémia, de Schwaz no Tirol e de Neusohl na Hungria. Cerca de 80% da produção europeia de cobre encontrava se nas mãos dos mercadores banqueiros industriais alemães. Nomeadamente as exploradas pelos Fugger.

Com a criação da feitoria portuguesa em Antuérpia em 1499 cresceram os negócios com os Fugger e, em 1503, chegaram a Antuérpia 41 barcos carregados com cobre oriundo das minas húngaras dos Fugger, grande parte do qual rumou depois a Lisboa. A 6 de Outubro de 1503, D. Manuel I outorgou à companhia dos Fugger privilégios que facilitaram a fixação da companhia em terras portuguesas e que correspondiam aos vantajosos direitos e liberdades que havia concedido oito meses antes aos Welser.

Em 1504, chegou uma frota portuguesa a Antuérpia carregada de especiarias, tendo a maior parte da mercadoria sido comprada pelos Fugger e pelos Höchstetter de Augsburgo. No ano seguinte, os Fugger integraram o consórcio italo-germânico que co-financiava a armada de D. Francisco de Almeida para a Índia.

Em 1515, Jacob Fugger foi o primeiro dos mercadores banqueiros alemães a desinteressar-se pela pimenta, tendo declarado a um enviado de D. Manuel I, Tomé Lopes, que queria reduzir as compras desta especiaria de 30 mil para 15 mil quintais anuais. No inverno de 1519/20, negou várias ofertas portuguesas relativamente à aquisição de pimenta, defendendo que não queria perder nem a sua reputação, nem a «sua fazenda».

Os documentos referentes às negociações conduzidas com a Coroa portuguesa, no reinado de D. Manuel I, não deixam dúvidas sobre o volume extraordinário das vendas de cobre. Em 1515, a Coroa pretendia comprar aos Fugger anualmente 4000‑5000 quintais (um quintal equivaleria a 50,8 kgs) daquele metal. Este montante subiu para 6 mil quintais por volta de 1520. “Na costa do Malabar, os negócios com cobre revelaram‑se altamente rentáveis para Portugal”, refere Jurgen Pohle devido às margens comerciais obtidas.
A disputa pelas Molucas entre D. João III e Carlos V, iniciada em 1522, levou Jacob Fugger a uma retração dos negócios com Portugal, que se incrementaram novamente depois do acordo entre os dois monarcas em 1529.

Rui Fernandes, um dos negociadores de D. Manuel I com Jacob Jugger sublinhava em carta ao rei que “Jacob Fugger era um homem que honrava a sua palavra, mesmo se soubesse que, na hora seguinte, poderia perder dez ou vinte mil cruzados”.

O libelo de Lutero contra os Fugger

Na sequência dos protestos de Martin Lutero, Jacob Fugger teve de se defrontar com lutas contra os seus monopólios promovidas pelo opúsculo de 1524, “Do Comércio e da Usura”, em Lutero escreveu: “precisamos de travar os Fugger e os da sua laia”. Surgiram várias tentativas das Dietas (Landtag/Parlamento) de Nuremberga e Augsburgo para colocar em cheque o império Fuggers, que conseguiu uma bênção imperial em 18 de março de 1525 mediante um privilégio especial que declarava a empresa de Fugger de comércio e produção de minérios como útil ao Império e proibia que as autoridades do Império agissem contra os Fuggers.

Na Hungria, onde a empresa Fugger-Thurzo estava instalada, viu posta em causa a sua posição. “Jacob Fugger, burguês de Augsburgo, conselheiro do Imperador, conde do Império, banqueiro do Papa, um dos homens mais influentes, dos mais poderosos do mundo de então, que tinha feito um imperador, era tratado, sem mais, como um vulgar burlão; apreenderam a sua fortuna, confiscavam-lhe as minas, prendiam arbitrariamente os seus gestores, e extorquiam-lhe assinaturas pela força para poder condená-lo, a ele, sem processo legal”, escreveu Léon Schick. Mas Jacob Fugger a partir de Augsburg lançou um contra-ataque, mobilizando todas as suas relações para envolver a Hungria numa “teia cerrada” que a levasse a ceder, como aconteceu.

Em abril de 1525, foi feito um novo contrato de 15 anos com a Hungria que lhe restituiu todos os bens, as minas nas condições que impusera e o pagamento como indemnização de 20 mil florins por ano como reconhecimento das acusações arbitrárias e desonrosas que tinham sido feitas contra a casa Fugger.

Desde 1510 que Jacob Fugger tinha a colaboração dos sobrinhos nos negócios e, quando morreu em 30 de janeiro de 1526, no testamento nomeava como gestores, Raymond e Anton, que ficou como líder, uma vez que Raymond tinha mobilidade reduzida. Anton Fugger permaneceu na liderança da empresa até à sua morte em 1560.

“Estas duas personagens, que se designariam hoje em dia como autênticos Topmanagers no mundo do comércio, da indústria e da alta finança internacional, simbolizam sem dúvida o apogeu desta poderosa casa comercial”, escreveu Jürgen Pohle, e Richard Ehrenberg chamou “a era dos Fugger” ao século XVI.

Com os herdeiros de Anton Fugger, a Casa dos Fugger perdeu importância no mundo dos negócios e das finanças. Como lembra Marques de Almeida, “a última intervenção dos Fugger no nosso país, já muito tardia, data de 1585. Os sucessivos empréstimos à Coroa espanhola criaram dificuldades acrescidas à manutenção da Companhia, a qual acabou por abrir falência em 1607”.

ALMEIDA, A. A. Marques de, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, 1993.
CARVALHO, Teresa Nobre de (2013). «Clusius em Portugal: uma viagem, múltiplos encontros». Abriu, 2 (2013)
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POHLE, Jurgen, Os mercadores‑banqueiros alemães e a Expansão Portuguesa no reinado de D. Manuel I, CHAM — Centro Humanidades Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa/Universidade dos Açores, Lisboa, 2017.
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