Apenas 15 dias depois de o governo tomar posse e com ele ser apresentado o estreante Ministério para a Reforma do Estado, já se cobrava ideias e planos ao homem da pasta. O mínimo que seria de esperar, aventava-se, era que Gonçalo Saraiva Matias já se tivesse sentado na cadeira com o lápis afiado, pronto a ordenar o trabalho feito em casa; e se um mês depois ainda não havia trombetas a anunciar a nova roupagem do regime era muito mau sinal. Seria provavelmente o cumprimento da profecia de César das Neves a meio do mandato de Passos Coelho, lamentando que a reforma não se fizesse devido aos muitos interesses instalados no caminho da concretização. Para a fogueira, ministro e reforma que nunca veremos!

Esta tarde, menos de dois meses passados desde que recebeu os dossiers para analisar e escolher por onde começar uma simplificação e reordenação profunda, atrasada há décadas e que por isso vem desperdiçando oportunidades de maior desenvolvimento e crescimento do país, o ministro apresentou os primeiros passos para a reforma prometida. E até levou com ele o da Educação, acreditando que a presença de Fernando Alexandre provasse o empenho em agir depressa e desde logo desfazendo um dos maiores molhos de brócolos da organização pública. Mas provavelmente poucos deram por isso.

Com meio Portugal a banhos, os velhinhos jornais fizeram valente relato depositado ao minuto no digital, mas os canais de televisão optaram por ignorar o primeiro sinal concreto de que a Reforma do Estado vai mesmo acontecer — por muita gente que incomode. Não é que não estivessem presentes: estavam lá, no briefing, fizeram perguntas estafadas e novas, ouviram as novidades e gravaram tudo. O que passava nos ecrãs lá de casa, porém, eram os três "F" do momento. E foi preciso mais de hora e meia para a RTP, o canal financiado por todos os portugueses, passar 1 minuto (contado) sobre o tema. Um minuto solitário, que nem as passadeiras de notícias acompanharam. Até lá e depois (até ao momento em que publico o presente), o pleno televisivo fez-se com fogos, futebol, e Fernando Madureira.

Não é que haja originalidade nestes incêndios de verão ou que o dérbi no Algarve e a novela Gyokeres tenham novidades — ao contrário da sentença do líder dos Super Dragões, há que reconhecê-lo —, mas é bem mais colorido do que falar daquilo que mais importa ao país e que maior potencial tem para trazer verdadeira e duradoura mudança às nossas vidas. Isso da Reforma do Estado, o melhor é que fique guardado para os telejornais e as resmas de comentadores que no-la servirão já temperada à medida das suas convicções.

Se pode debater-se em direto as equipas de Lage e Rui Borges para a Supertaça durante seis ou oito horas, que importa que a Agência para as Migrações vá ser reestruturada de forma a recuperar a eficácia do Serviço desmantelado em nome da sobrevivência política de um ex-ministro, trazendo a nova estrutura para o século XXI e aplicando-lhe uma verdadeira transformação tecnológica que garanta a interoperabilidade e o tratamento ágil e competente dos processos que estiveram a acumular bolor e cuja desordem resultou na incapacidade de processar os que vêm viver para Portugal, tratando-os com dignidade?

Se pode elaborar-se sobre a incendiária do dia, apanhada em flagrante reincidência, por que há de perder-se tempo com a simplificação das estruturas que gerem a Educação dos nossos filhos, reduzindo a quase um terço as largas dezenas de entidades e dirigentes cujas interpretações contraditórias e decisões burocráticas fazem da vida de alunos e professores um verdadeiro inferno?

Se pode indignar-se o povo com a história de como o Benfica roubou um jogador de futsal ao Sporting ou como Gyokeres continua a provocar os leões, porque há de explicar-se que quem tem carro elétrico deixará de estar obrigado a contratar com comercializadores e passará a poder pagar diretamente os carregamentos em qualquer ponto público, que a rede se vai alargar e o licenciamento será mais simples?

Que valor tem a Reforma do Estado se o que se anuncia é a efetiva simplificação, a agilização a matar burocracia, e se os próprios governantes sublinham que não haverá despedimentos a lamentar mas prováveis realocações a funções muito mais proveitosas e gratificantes do que as que estes funcionários do Estado hoje desempenham?

Antes falar de futebol! Até porque toda a gente sabe que boas notícias não são notícia.