Portugal orgulha-se, e bem, do seu Sistema Integrado de Emergência Médica. O INEM, os bombeiros e a Cruz Vermelha prestam um serviço público de excelência que salva milhares de vidas anualmente. Contudo, este orgulho nacional esbarra numa realidade muito incómoda: nem todos os portugueses beneficiam da mesma qualidade e rapidez de resposta em situações de emergência médica.
O caso do Sotavento algarvio é paradigmático desta discriminação territorial. Enquanto os grandes centros urbanos dispõem de Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER) a poucos minutos de distância, os cidadãos desta região podem enfrentar tempos de espera superiores a 45 minutos para acesso ao meio pré-hospitalar mais diferenciado. Em emergência médica pré-hospitalar, sabemos todos que cada minuto pode significar a diferença entre a vida e a morte.
Esta não é uma questão técnica ou meramente administrativa - é uma questão de justiça social e de direitos humanos fundamentais. O direito à saúde e à vida não pode depender do código postal onde se nasce ou se escolhe viver. Um enfarte do miocárdio em Vila Real de Santo António deve ter a mesma probabilidade de sobrevivência que um enfarte em Lisboa ou no Porto.
A população do Sotavento algarvio, que inclui trabalhadores residentes e milhares de turistas durante os meses de verão, merece melhor. Merece que os responsáveis políticos tomem decisões baseadas em evidência científica e em critérios de equidade, não em lobbies ou conveniências eleitorais.
A solução é conhecida e viável: a instalação de uma VMER em Vila Real de Santo António, à semelhança do que já existe em Portimão, Faro e Albufeira. O INEM e a Unidade Local de Saúde do Algarve já manifestaram disponibilidade para estudar esta proposta. Existe infraestrutura adequada e profissionais preparados. O que falta é vontade política.
É incompreensível que, num país que se quer moderno e solidário, continuemos a aceitar que existam cidadãos de primeira e de segunda categoria no acesso aos cuidados de emergência. É inaceitável que a resposta a pedidos legítimos e fundamentados seja o silêncio administrativo.
A classe política tem uma responsabilidade inalienável: servir todos os cidadãos com a mesma dedicação e eficácia. Quando essa responsabilidade é negligenciada, quando os pedidos justos são ignorados, quando as necessidades evidentes são adiadas, então falha-se no cumprimento do dever mais básico de quem exerce cargos públicos.
Os governantes que verdadeiramente se preocupam com as pessoas não podem continuar a adiar decisões que salvam vidas. Não podem esconder-se atrás de burocracias ou de alegadas dificuldades orçamentais quando está em causa algo tão fundamental como o direito à vida.
O momento de agir é agora. A VMER do Sotavento algarvio não é um capricho político ou uma obra de fachada - é uma necessidade urgente de saúde pública. É uma questão de civilização e de respeito pelos cidadãos.
Enquanto esta decisão não for tomada, enquanto esta discriminação territorial persistir, continuaremos a assistir a uma inaceitável desigualdade no acesso aos cuidados de saúde. E todos nós, como sociedade, seremos responsáveis por essa injustiça.
A verdadeira medida de um sistema de saúde não se avalia apenas pela sua excelência nos grandes centros, mas pela sua capacidade de chegar a todos, em qualquer ponto do território, com a mesma qualidade e rapidez. É tempo de o Sotavento algarvio deixar de ser o parente pobre da emergência médica nacional.
É tempo de decisões corajosas que colocam verdadeiramente as pessoas em primeiro lugar.
Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António e vice-presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses