
Uma vez, tive uma pequena altercação com o pai do meu vizinho do lado, por causa de um carvalho que ele queria abater por encher o quintal do filho com folhas. De facto, do outro lado do muro das nossas casas há um magnífico carvalhal que no outono nos dá bastante trabalho. Um trabalho de Sísifo, diria eu. Ora o senhor, irritado com a trabalheira que as folhas davam ao filho, não teve meias medidas e toca de saltar o muro com um machado. Se eu não tivesse aparecido à janela, o carvalho teria ido à vida.
Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, este episódio não se passou na cidade, mas sim no campo, onde vivo.
A ligação que os portugueses têm com as árvores não é brilhante. Para muitos portugueses as árvores são um estorvo. Seja porque lhes enchem os quintais com folhas, porque lhes estragam a pintura dos carros, porque as raízes dão cabo dos ladrilhos do pátio, ou porque temem que no próximo vendaval lhes entrem pelo telhado adentro.
E de facto, apesar de não lhes ser exclusiva, esta aversão dos portugueses às árvores aumenta nas cidades. O que, para mim, não faz grande sentido se tivermos em conta que uma das suas muitas funções é a capacidade que as árvores têm de diminuir a temperatura local e de nos darem sombra. Além disso, as árvores ajudam a melhorar a qualidade do ar, seja por produzirem oxigénio, seja por absorverem alguns poluentes atmosféricos como o dióxido de azoto ou o dióxido de enxofre. E também lembro o seu papel no controlo de inundações, ao aumentarem a infiltração da água no solo, darem alimento e abrigo a aves (outras criaturas que nos dão cabo da pintura dos carros) ou insetos (que picam e chateiam).
Ou seja, as árvores tornam realmente a vida nas cidades (e não só), bastante melhor, especialmente durante os dias de verão, como estes que atravessamos. Para além de as tornarem notoriamente mais bonitas (as cidades e a vida).
Por isso, esta aversão dos portugueses às árvores é, para mim, um tremendo mistério. A qual já é bem antiga. Em 1959, Joaquim Vieira Natividade, discorria sobre este assunto no Diário Popular. Vieira Natividade agrónomo, investigador e autor de uma obra riquíssima — mas infelizmente pouco conhecida — de divulgação científica da floresta e agricultura, incluindo ensaios sobre a flora presente na lírica de Camões, ou nos cancioneiros populares portugueses, diz que os portugueses sofrem de “arborifobia”. E que “num país castigado por uma ardente canícula, dir-se-ia que temos horror à sombra”[1].
Não sei se temos horror à sombra. Mas que o nosso “prolífico amor” às árvores seria merecedor de um estudo sociológico, sem dúvida, que sim. Consta que Viriato era pastor, o que talvez explique o divórcio seminal que os portugueses têm com a floresta. Mas, considerando o problema de longa data que também temos com os baldios, começo a desconfiar que, se calhar, o nosso Viriato trabalhava na cidade.
[1] “Obras Várias III” – J. Vieira Natividade, “Edição da Comissão Promotora das Cerimónias Comemorativas do I Aniversário do Prof. J. Vieira Natividade”, Alcobaça
Consultora em Comunicação das Ciências Agrárias e Extensão Rural
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