Mas onde está a caixinha das pessoas “não empreendedoras que simplesmente não querem empreender nada e que vivem bem com um trabalho das 9-18h?”.

Pergunto isto porque, durante anos, vivi sôfrega, rodeada de trabalho, tornou-se no meu entretenimento. Adoro o que faço, mas vivia só para isso mesmo. Quando não tinha mais o que fazer, inventava. Quando “já sabia tudo” acerca de determinado tema, inscrevia-me em mais algum workshop, afinal “o saber não ocupa lugar”. O que consegui com isto? Perdi casamentos, batizados, funerais, festas de anos impossíveis de contabilizar, mas acima de qualquer outra coisa, esqueci-me do fundamental:  Viver.

Pelo caminho tropecei em alguns colegas com os mesmos “síndromes”, parecíamos todos ratinhos em rodas, corríamos sem meta, só pelo gosto de tentar atingir algum objetivo vago, talvez um lugar bonito, sem a certeza de que esse paraíso existia. Bastava mais uma cenourinha e lá mandávamos um “sprint” sem olhar para trás.

Descobri hoje, a passo lento, que tudo o que queríamos era isso mesmo: não ver, sentir, pensar, parar. Pensar pode doer e a dor leva-nos a sítios que não queremos conhecer.

O trabalho é um “penso rápido” que auxilia, esconde e nos protege das nossas maiores fragilidades, e daí surgem, por vezes sem querermos, os estrangeirismos nos títulos profissionais, as siglas fancy e modernas, os artigos de opinião de quem nada sabe da sua vida, então lá tem de saber alguma coisa da sua profissão.

Foi quando decidi, que a partir de agora quero um emprego bem português, legível dos oito aos oitenta e oito, que me permita abraçar os meus, ouvi-los, estar presente. Com isso só terei a ganhar, afinal, “quem é só um bom médico, não é bom em coisa nenhuma”. Temos de ter capacidade de nos ouvir, de parar, de nos amarmos, de nos respeitarmos nos tempos e espaços devidos. Ninguém é produtivo a tempo inteiro e as empresas só têm a ganhar com a qualidade de vida que tenhamos, sobretudo fora do ambiente empresarial.

O que me fez chegar aqui? Soube, da pior forma, que há memórias que não se esquecem, e a ausência de alguém que nos é querido, num momento importante, é algo que dinheiro, presente ou surpresa nenhuma podem colmatar.