Todas as notícias em primeira mão
Todas as notícias em primeira mão
Todas as notícias em primeira mão

Importações recorde no turismo. Leu bem, importações

A verdade é que o turismo, tal como é contabilizado em Portugal, é uma ilusão conveniente.
Importações recorde no turismo. Leu bem, importações
turistas, turismo, lisboa, miradouro ECO - Economia Online

Em Portugal, há uma narrativa económica repetida até à exaustão que trata o turismo como uma exportação. Dizem-nos que, sempre que um turista estrangeiro aterra em Portugal, gasta uns euros num hotel e bebe uma bica na esplanada, estamos a “exportar”. É uma lógica curiosa: um americano que aterra em Lisboa num Boeing da United Airlines, dorme no Sheraton, reserva um tour na Expedia, almoça no Burger King e toma um café no Starbucks está a contribuir para as nossas exportações – e o Banco de Portugal agradece o seu contributo para a balança comercial.

O problema é que esquecemos de perguntar: quanto dessa receita fica mesmo cá? Mesmo quando os americanos fazem turismo “lá fora”, quem ganha uma enorme fatia do dinheiro gasto são, na verdade, as empresas americanas, as que estão verdadeiramente envolvidas na parte mais lucrativa do “ciclo de produção do turismo”. Nós, portugueses, somos apenas a força braçal – bem baratinha, obediente e poliglota, por sinal.

A verdade é que o turismo, tal como é contabilizado em Portugal, é uma ilusão conveniente. Uma ilusão que convém a confederações e associações do setor, frequentemente lideradas por ex-secretários de Estado do Turismo ou esposas de ex-ministros da Economia. Quem se atreve a desafiar esta narrativa arrisca-se a ser acusado de estar contra “o motor da economia” e colocado de lado. Mas a realidade é esta: um motor que consome mais do que produz não nos leva muito longe.

A comparação que raramente se faz — porque é desconfortável — é simples: se o turista  estrangeiro em Portugal é uma “exportação”, então o turista português que vai para o estrangeiro só pode ser uma “importação”, certo? Pois bem, 2024 foi um ano histórico de importações.

Apesar de os portugueses terem viajado menos, talvez por terem cada vez menos dinheiro por trabalharem em setores como o do turismo que é o segundo mais mal pago – eles nunca viajaram tanto para fora, talvez porque nunca o turismo cá dentro foi tão caro como em 2024. Resultado: nunca “importámos” tanto turismo como no ano passado. Mesmo com menor número de deslocações, mais do que nunca os portugueses escolheram viajar para fora... Será o fim do “vá para fora cá dentro” até que a próxima pandemia volte a valorizar o turismo interno?

Enquanto isso, o país assiste passivamente à crescente dependência de um setor onde o valor acrescentado nacional é, muitas vezes, surpreendentemente baixo ou até mesmo negativo e exemplos como o turismo de cruzeiros deveriam servir de alerta. Já são vários os destinos europeus que restringem ou proíbem este tipo de turismo pelo seu impacto negativo líquido — ambiental, social e, pasme-se, económico. Mas em Portugal preferimos continuar a contar turistas em vez de euros que verdadeiramente cá ficam.

Não se trata de diabolizar o turismo. Trata-se de exigir que o seu verdadeiro valor seja medido com rigor. E de reconhecer que, enquanto os números forem apresentados de forma enviesada e eleitoralista, estaremos a construir políticas públicas sobre uma fundação de areia.

Por isso, da próxima vez que ouvir que o turismo é a nossa principal exportação, pergunte-se: quanto estamos realmente a perder para que isso aconteça?

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

Veja também