Assinala-se hoje o Dia Mundial do Cérebro, uma data que convida à reflexão sobre a importância deste complexo e extraordinário órgão que, além de responsável por funções como a memória, linguagem e movimentos, é a sede das nossas emoções. É ele que nos permite pensar, lembrar, amar e criar. Mas é uma data que nos convida também à reflexão sobre as doenças que o afetam, física e mentalmente, como os tumores cerebrais, que têm um impacto que, apesar de todos os avanços, continua a ser preocupante.
Os tumores cerebrais representam cerca de 3% de todos os cancros, mas o seu peso clínico, emocional e funcional é desproporcionalmente maior. Em Portugal, estimam-se que surjam aproximadamente 1 000 novos casos por ano e 700 mil pessoas no mundo recebem o diagnóstico de um tumor cerebral. A incidência global está a aumentar. Destacam-se o glioblastoma, a forma mais agressiva de tumor cerebral, com uma mediana de sobrevivência inferior a 15 meses, apesar dos avanços terapêuticos, e o meningioma, tumor benigno e curável na maior parte dos casos. Embora raros, quando comparados a outros tipos de cancro, são muitas vezes severos.
O diagnóstico moderno vai muito além da ressonância magnética convencional. A utilização de sequências funcionais e metabólicas permitem com exatidão determinar as áreas eloquentes do cérebro e as áreas do tumor mais agressivas. A PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) com aminoácidos pode ajudar no diagnóstico diferencial com lesões não tumorais e o recurso à sequenciação genética distingue graus diferentes de agressividade tumoral.
O tratamento clássico passa pela cirurgia, com a remoção máxima segura, seguida, nas lesões mais agressivas, de radioterapia e/ou quimioterapia.
A cirurgia evoluiu muito nos últimos anos e a utilização intraoperatória da fluorescência, da neuronavegação, da ecografia e da ressonância magnética aumentaram a segurança e o grau de remoção dos tumores, com importância no prognóstico e no tempo de sobrevivência. A radioterapia está mais precisa e segura, enquanto a quimioterapia tem boa tolerância. A investigação em imunoterapia e vacinas personalizadas para gliomas, os tumores que surgem das células de suporte do cérebro e da medula, está também em curso.
Cuidar do cérebro é mais do que o bisturi e os fármacos. É preciso ir além da cirurgia e dos tratamentos. O cérebro é também sede das emoções, da criatividade, da arte. Estudos recentes sublinharam o papel das artes na ativação de redes cerebrais relacionadas com as emoções, a linguagem e a memória, como mostrou um estudo publicado no Journal of Neuro-Oncology.
Um outro estudo da Universidade de Helsínquia mostrou que os doentes com tumores cerebrais que ouviram música diariamente durante o internamento apresentaram menos ansiedade e melhor recuperação cognitiva. A arte não é apenas entretenimento. É um estímulo, uma linguagem paralela. Ativa circuitos cerebrais profundos e pode modular o humor, favorecer a plasticidade neuronal e melhorar a qualidade de vida e a autoestima.
Neste Dia Mundial do Cérebro, devemos lembrar-nos de que o cérebro não é só feito de células e sinapses. É feito de experiências, histórias e afetos. Devemos reconhecer a importância do investimento em investigação e tratamento personalizado dos tumores cerebrais, mas também valorizar estratégias integrativas que respeitem a totalidade do ser humano.
Coordenador da Unidade de Tumores Cerebrais da CUF Oncologia e Neurocirurgião no Hospital CUF Porto e Instituto CUF Porto | Professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto