Uma natureza voraz, verde sobre verde, uma obra impressionante. Monsanto é muito mais do que um parque florestal: é uma prova de amor, um monumento à biodiversidade, o pulmão e o coração de Lisboa. É uma floresta cheia de memórias, sombras, cheiros. Vista de cima, é uma mancha verde admirável, que corresponde a cerca de um décimo da superfície da capital. Lá em baixo, é a pátria da esperança: um ecossistema que perdura e se renova ao longo do tempo, a fauna e a flora no seu desfile de superioridade, um mostruário de como é bonita a natureza.

Quando o observamos em perspetiva, parece um lugar antigo, secular. Mas é pura ilusão. O Parque Florestal de Monsanto é surpreendentemente recente. No início do século XX, a mancha verde que hoje se estende entre Alcântara, Belém, Ajuda e Benfica não fazia parte da paisagem da cidade. A serra de Monsanto era careca, despida e triste.

É por isto que contar a história do Parque Florestal de Monsanto é partilhar a construção de um sonho e de como foi possível desenvolvê-lo e recriá-lo ao longo do tempo. Lançado por decreto-lei, em 1934, o Parque nasceu da determinação de um visionário, Duarte Pacheco, o dinâmico ministro das Obras Públicas de Salazar, que soube rodear-se do melhor talento para pôr em marcha, em tempo recorde, um projeto extraordinariamente arrojado. O resultado é o que vemos, quando nos aventuramos pelos trilhos da serra ou mergulhamos na paisagem que se revela a cada miradouro. Aqui, descobre-se as portas do paraíso.

Empenhado em plantar o Parque Florestal de Monsanto, árvore a árvore, no mais curto espaço de tempo, Duarte Pacheco classifica-a de “superior interesse público” e convoca para a tarefa um autêntico exército, composto por militares, presidiários, trabalhadores pagos à jorna e elementos da Mocidade Portuguesa.

De lá para cá, muita coisa mudou. Sabemos que Monsanto foi o primeiro parque florestal urbano da Europa com gestão sustentável certificada e é um exemplo de restauro de um ecossistema a partir da vontade e capacidade humanas iniciadas há nove décadas, tendo por ponto de partida uma paisagem exausta por séculos de exploração agrícola e pastoreio intensivo.

À medida que a flora de Monsanto evoluiu, também a sua fauna mudou. Tempos houve em que na serra só se encontravam espécies caraterísticas de ecossistemas agrícolas, como coelhos e perdizes. Mas com a arborização e consequentes alterações da mancha vegetal, a fauna do Parque sofreu grandes mudanças, sendo hoje um importante reduto de inúmeros animais silvestres. E isso, por si só, já é uma maravilha!

Não se admirem, portanto, que eu defenda esta ideia: preservar a memória do Parque Florestal de Monsanto é cumprir a sua função pedagógica e reforçar o sentimento de pertença dos portugueses em relação a um espaço natural tão importante para Lisboa. É realmente relevante trazer a história de um lugar para o espaço público. Porque a memória se concilia com pedagogia, com mensagens políticas sobre a importância de preservar um ecossistema como este e com rituais identitários. Contar a história de Monsanto não serve apenas para celebrar o presente e pensar o futuro – serve também para produzir passado. Seguindo a lógica da política da memória pública, feita em função dos superiores interesses nacionais: porque há coisas que é preciso recordar e fazer dessa recordação um ritual colectivo.

Acredito cada vez mais que quem não conhece, não ama, E quem não ama, não cuida. E nós precisamos, como nação, de cuidar dos signos, símbolos, textos, imagens, ritos, lugares e monumentos para criar uma memória colectiva que forma uma identidade. E a memória colectiva é sempre, sempre, uma reconstrução. É isso que devemos fazer com a história do Parque Florestal de Monsanto.

Ou seja, é preciso olhar para o Parque como um “lugar de memória” e não apenas como um espaço de biodiversidade, lazer ou utilidade ambiental. Um lugar de memória não precisa de ser um monumento no real sentido da palavra. Pode ser “apenas” uma floresta criada do zero há nove décadas, onde uma sociedade inteira deposita voluntariamente as recordações em que reconhece a sua história. De resto, para mim, Monsanto é uma catedral, é o meu Taj Mahal pessoal. Um refúgio eficaz, um santuário que construímos para nós à margem do tempo.

(Para conhecer estas e outras histórias, visite a exposição “9 Décadas do Parque Florestal de Monsanto”, que está patente no Centro de Interpretação de Monanto)