Recorde a entrevista de Maria Rueff ao podcast Humor À Primeira Vista, com Gustavo Carvalho, em 2023. Das personagens icónicas, como Zé Manel Taxista, Idália ou Rosete, ao impacto do humorista numa sociedade de “ego e individualismo”, a atriz explica como olha para a comédia nacional e para o legado que deixou

O humor faz medo em que sentido?
O humor faz medo porque ninguém quer ser exposto ao ridículo. Supostamente o humorista tem a arma de ridicularizar o outro. De tirar a pose do outro. O problema é que as sociedades são construídas com poses, então agora cada vez mais com as redes sociais, onde tudo é ego. Não interessa se foste viajar, interessa se apareceu a fotografia contigo no sítio a provar que viajaste ou que provaste o sushi não sei de quem e que vestiste a roupa de não sei de quem. O mundo está cheio de pose, de ego, de individualismo. Qualquer humorista que tem essa varinha de condão, de tirar a pose, de conseguir com uma frase ridicularizar o outro faz muito medo e é um alvo a abater.
Que influência é que acha que tem nas comediantes que agora vemos, mas também no panorama da comédia em Portugal?
Ainda hoje é muito difícil ser uma mulher no humor. Basta procurar na internet para perceber que as americanas, inglesas, etc, queixam-se que dentro das suas sociedades foi sempre necessário partir pedra. Portugal ainda é uma sociedade patriarcal. Qualquer pintora, escritora, dirá o que eu digo. Nunca é mano a mano. É sempre com mais dor. Temos de trabalhar muito mais do que os homens e mesmo assim nem sempre nos permitem sentar à mesma mesa. E eu notei ao longo destes anos avanços, recuos, avanços, recuos... Acho que de alguma forma contribui para inspirar no sentido de (não é que me copiem, não tenho nada essas pretensões), inspirar que é possível uma miúda que esteja em casa e que lhe apeteça pôr um bigode. Porque uma mulher não ri dilatadamente, uma mulher não gargalha, uma mulher tem de ficar no seu canto, tem de aparecer bonitinha. Mas eu não fui a primeira. A Mirita Casimiro foi a primeira comediante portuguesa no teatro a fazer um travesti em cena. Ela entrava a cavalo, fazia um toureiro. Isto é quase como cometas, de vez em quando, de dez em dez anos, vai uma mulher comediante que parece que é a primeira, que revoluciona. Não revolucionei. Acho é que são precisas de vez em quando estas mini Marias da Fonte. No sentido de pegar na arma e dizer “Nós também somos capazes”. Fico muito feliz por haver espaço para mais mulheres e se de alguma forma inspirei no sentido de “Bora lá, nós também conseguimos”.
Gustavo Carvalho entrevista pessoas para quem a comédia é paixão e profissão. Por vezes abre a porta a conversas sobre outros temas culturais que o entusiasmam, seja sobre teatro, música, digital, televisão ou cinema. A comédia, a arte e a cultura que estão para acontecer, todas as terças-feiras no Humor À Primeira Vista. Oiça aqui mais episódios: