
Neste novo cenário, o papel das startups torna-se não apenas relevante, mas necessário. É nas margens do sistema que se está a gerar a inovação mais ágil, mais versátil e mais disruptiva. Portugal, com um ecossistema empreendedor vibrante, tem aqui uma janela de oportunidade única. Mas, infelizmente, ainda não encontrou forma de a aproveitar.
Foi nesse espírito que participei no Defence Tech Meetup #3, num painel dedicado ao papel das startups no sector da Defesa. A iniciativa, organizada pela Productized e pela Ordem dos Engenheiros, juntou líderes empresariais, investidores, representantes institucionais e empreendedores que estão a desafiar os limites da inovação com impacto dual — civil e militar.
Durante o painel, partilhei duas preocupações centrais:
- A falta de articulação real entre o ecossistema de inovação nacional e as estruturas da Defesa.
- A dificuldade que muitas startups têm em comunicar o verdadeiro valor estratégico das suas soluções junto dos decisores públicos.
Estas preocupações não são novas — mas tornam-se mais urgentes quando analisamos a conjuntura internacional atual.
Vivemos um tempo de crescente instabilidade global, com múltiplos conflitos ativos e uma tensão geopolítica que coloca a Europa sob pressão direta. Países como a Ucrânia e Israel estão na linha da frente de conflitos que desafiam os modelos convencionais de Defesa. E os restantes, incluindo Portugal, são chamados a repensar a sua postura estratégica.
Neste contexto, a NATO tem reforçado o apelo ao aumento do investimento dos Estados-membros na Defesa. Portugal continua abaixo da meta dos 2% do PIB. Mas essa limitação orçamental pode — e deve — ser compensada com inteligência estratégica. E isso passa por integrar as startups como parte do esforço de inovação soberana.
É justo reconhecer que existem iniciativas relevantes no terreno e os sinais são sinais positivos. Mas a realidade é que estas iniciativas continuam excessivamente marcadas por lógicas burocráticas e ritmos que não dialogam com o tempo das startups.
Do outro lado, as startups enfrentam o seu próprio conjunto de desafios: desconhecimento dos canais de procurement, barreiras de entrada institucionais, dificuldades em aceder aos interlocutores certos. E, acima de tudo, falta-lhes, muitas vezes, uma narrativa estratégica: não basta dizer o que a tecnologia faz — é preciso saber explicar como contribui para o sucesso operacional, a resiliência nacional ou a interoperabilidade com aliados.
Para transformar esta oportunidade em realidade, Portugal precisa de:
- Criar verdadeiros programas de inovação aberta na Defesa, com desafios concretos, orçamentos claros e processos de contratação mais flexíveis.
- Formar e capacitar os dois lados — startups e entidades públicas — para que saibam comunicar entre si, com linguagem técnica e estratégica.
- Adotar ambientes de experimentação regulatória (regulatory sandboxes) para testar e acelerar tecnologias de uso dual em contextos reais.
A Oreyeon, startup incubada na inCoimbra, é um exemplo paradigmático. Fundada em Coimbra, desenvolve uma solução altamente inovadora para inspeção autónoma de pistas de aeroportos e bases aéreas, capaz de detetar danos e detritos com grande precisão, mesmo em condições operacionais exigentes. A sua tecnologia — de utilização dual — já mereceu o reconhecimento e a confiança de entidades internacionais, incluindo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com quem mantém um nível de colaboração significativo e contínuo. Em contraste, em Portugal, o envolvimento com o sector da Defesa ainda está numa fase inicial e tímida. Esta discrepância levanta uma questão crítica: como pode uma tecnologia nacional, com validação operacional ao mais alto nível, continuar sem encontrar um canal claro para integração no seu próprio país? Quantas oportunidades estratégicas estamos a deixar escapar?
A inovação não é um luxo — é uma condição de soberania. Se Portugal quiser ter uma voz própria num mundo cada vez mais volátil, tem de investir onde a mudança acontece: na ciência, na tecnologia e no empreendedorismo.
As startups portuguesas estão prontas para esse desafio. Cabe agora ao Estado criar as condições para que essa prontidão se traduza em impacto. Não apenas para ganhar contratos — mas para garantir que o país tem as ferramentas certas para proteger os seus valores, os seus cidadãos e o seu futuro.
Rui Nuno Castro é diretor da inCoimbra StartUp HUB e co-founder da alphaCoimbra