Trabalhando no setor da comunicação em saúde, como é que avalia o papel desta área para a promoção da literacia em saúde?

A comunicação em saúde é uma ferramenta da literacia em saúde, por isso, são indissociáveis. Já usei esta metáfora antes e continuo a achar que faz muito sentido: a comunicação em saúde é como uma ponte com dois sentidos que liga o conhecimento que os profissionais de saúde têm, e que querem que os utentes tenham, e a literacia em saúde, ou seja, o conhecimento que os utentes têm de facto, que podem ter e que podem usar para tomar as suas decisões em saúde.

Quais são os maiores desafios que as entidades de saúde enfrentam na sua comunicação?

Os desafios são muitos. Enumerando alguns, começo pela necessidade de aplicar princípios de literacia em saúde na comunicação para que, de facto, a comunicação seja eficaz — e a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde tem feito um trabalho notório a apoiar várias entidades neste sentido. Depois, há um aumento acentuado de fake news e meias-verdades, que normalmente são informações muito mais “apetecíveis” do que a realidade e que exacerbam a dificuldade de comunicar saúde. E temos também um desafio transversal a todas as áreas, que é a diminuição do tempo de atenção das pessoas — um fenómeno mais acentuado nas gerações mais jovens, mas não exclusivo.

As redes sociais têm sido um canal cada vez mais privilegiado. É um meio seguro para comunicação sobre de questões de saúde?

O poder das redes sociais é inegável. Os digital reports de Portugal dos últimos anos assim o confirmam: passamos cada vez mais tempo nas redes sociais e existem cada vez mais redes sociais, por isso, ignorá-las é perder oportunidade de comunicar saúde.

Em relação à segurança das redes sociais, tudo depende de quem comunica, uma vez que não temos uma política editorial e pessoas responsáveis pela veracidade dos conteúdos e pelo controlo dos conteúdos. São canais de comunicação obviamente mais liberais, com tudo o que é positivo e negativo. No entanto, é precisamente por isso que se torna essencial existirem entidades credíveis, que criem conteúdo com validade científica de forma a podermos combater a desinformação.

O problema de não termos entidades credíveis a comunicar saúde é que se cria um vazio de informação e esse vazio vai ser ocupado. A reflexão que todas as entidades precisam de fazer é por quem querem que esse vazio seja ocupado: por informações falsas? Por experiências pessoais perigosas de serem generalizadas? Ou por informação científica de qualidade e criada de forma acessível? Para mim, a resposta é óbvia.

Mas é importante que não nos esqueçamos dos meios de comunicação tradicionais. Apesar da comunicação digital ser basilar, não pode ser considerada sozinha, senão vamos deixar uma parte muito grande da população de fora. A assessoria de imprensa em saúde é essencial para conseguirmos abrir caminho para levar mais especialistas a programas de televisão, por exemplo, tanto programas de entretenimento como de informação, porque há uma franja da população que tem nos meios tradicionais a sua maior companhia e a sua fonte primordial de informação.

A comunicação em saúde também está muitas vezes ligada aos assuntos públicos e à relação com instituições públicas e políticas desta área, principalmente quando falamos do setor farmacêutico. A regulação do lobby é essencial?

Sem qualquer dúvida. Falo-lhe por experiência própria, porque temos tido oportunidade de ajudar na criação destas relações e, por isso, considero que regulação do lobby permitirá uma maior transparência e que todas as pessoas que já trabalham direta ou indiretamente com lobby se rejam pelas mesmas regras.

Estamos numa altura especialmente sensível da nossa democracia, pelo que esta regulação permitirá um acesso mais igualitário e transparente de diferentes interesses aos decisores políticos, o que pode fortalecer a integridade do nosso sistema democrático.

Para além disso, pensando no caso particular das associações de doentes, esta regulação do lobby permitirá uma maior consciência da necessidade desta prática e dos benefícios que pode trazer aos grupos de doentes que representam, assim como criar o enquadramento legal necessário para que se possa trabalhar de uma forma mais segura.

É também Diretora de Comunicação da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS). Que papel é que têm os médicos na promoção da literacia em saúde?

Um enorme papel. Não só os médicos, como todos os profissionais de saúde. São quem tem o contacto mais direto com os utentes/doentes e, por isso, são veículos de literacia em saúde preferenciais. A presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, Professora Doutora Cristina Vaz de Almeida, dedica-se há mais de 10 anos a formar centenas de profissionais de saúde em literacia em saúde.

Atualmente, assistimos, nos hospitais, a uma comunicação muito focada na gestão de crise. Qual é a sua opinião sobre a comunicação que faz nestas instituições? O que pode melhorar?

Temos de olhar com muito respeito para os profissionais de comunicação que trabalham nos hospitais e, agora, nas ULS. Muitas vezes, e especialmente em ULS menos centrais, acumulam muitas funções: são assessores de imprensa, gestores de redes sociais, designers, responsáveis de comunicação interna… Enfim, é um papel muito ingrato e são profissionais que continuam a ser ignorados.

Claro que a comunicação pode melhorar, mas acredito que a maioria destes profissionais tenham essa consciência, mas não se podem desdobrar para conseguir chegar a todas as necessidades. Os hospitais são locais propícios à necessidade de gestão de crise — e muitas vezes uma gestão muito complexa —, pelo que nem sempre há tempo e meios para muito mais.

Parece-me ser necessário existir uma reflexão sobre a comunicação nos hospitais e talvez facilitar o apoio externo a estes profissionais para que consigam ter acesso a uma equipa maior que possa trabalhar a comunicação de forma proativa.

“Uma maior aposta na comunicação permite melhorar o uso dos serviços, aumenta a proximidade entre ULS e utentes, aumenta a transparência e a confiança e ajuda na gestão de expectativas.”

Que outras estratégias podemos aplicar para melhorar o nível de conhecimentos sobre saúde da população?

Na Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS) temos apresentado e concretizado muitas ideias neste sentido. Existe a necessidade de capacitar as associações de doentes, não só a nível formativo, como a nível financeiro. São associações essenciais no nosso sistema de saúde e que resistem pela boa vontade e esforço pessoal de muitos dos seus membros. É preciso ouvi-las, financiá-las e capacitá-las, são elas as vozes dos doentes e é através deles que sabemos o que vários grupos da sociedade precisam e, por isso, de que forma podemos trabalhar na melhoria dos conhecimentos sobre saúde.

Pensando na promoção saúde e prevenção da doença, a SPLS apresentou esta ideia já a alguns membros da anterior comissão de saúde, que é a inclusão da literacia em saúde nos currículos do ensino básico e secundário. A literacia em saúde engloba tudo, porque precisamos de ter uma visão integrada da nossa saúde, percebendo a inter-relação entre pessoas, animais e meio ambiente, pelo que deverá ser falada desde cedo para podermos reverter os mais de 50% da população com nível baixo de literacia em saúde.

Uma outra coisa que precisamos de considerar é que a comunicação em saúde terá que ser uma constante nas instituições e entidades que trabalham em saúde. A inteligência artificial não para, o ritmo de comunicação também não desacelera. Os problemas que temos com desinformação só aumentarão e, por isso, temos de agir. A desinformação não é um problema dos mais velhos, é transversal a todas as gerações, porque as fake news estão cada vez mais sofisticadas e detetá-las é cada vez mais difícil. Temos de começar já a combatê-las e a criar mecanismos padronizados, com base científica, de transmissão de conhecimentos em saúde que nos permita fazê-lo.

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