Qual a prevalência da epilepsia e qual é o seu impacto na vida do doente?

A epilepsia é, globalmente, das doenças neurológicas mais prevalentes: afeta cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, 6 milhões das quais se encontram na Europa. Quanto a Portugal, estima-se que existam entre 50 a 60 mil pessoas com epilepsia, surgindo 50 novos casos por ano por cada 100 mil habitantes.

Não existe apenas uma única forma de epilepsia e, como tal, não podemos falar do impacto na vida das pessoas que a têm de uma forma uniforme. Cada uma destas pessoas pode ser posicionada num espectro: num extremo temos formas muito graves que causam grave dependência e, frequentemente, institucionalização. No outro extremo encontramos a maior parte dos doentes com epilepsia: pessoas que levam vidas totalmente normais, de forma ativa e integrada na sociedade.

“Neste segundo extremo não é raro ouvir em consulta ‘só me lembro que tenho epilepsia na hora de tomar a medicação’.”

Em termos de diagnóstico e tratamento, quais os desafios principais?

Em termos diagnósticos nem sempre é fácil perceber se a pessoa que está a ser avaliada tem crises epiléticas ou se existe outra causa para os episódios que descreve, uma vez que existem muitas situações médicas que podem confundir-se com crises e que entram no diagnóstico diferencial. De forma a tornar mais claro qual o quadro clínico, é particularmente útil a informação colateral de um familiar ou testemunha, que deve estar presente na consulta sempre que possível. Outro elemento valioso, quando disponível, passa pela gravação dos episódios com recurso aos omnipresentes e (quase) sempre acessíveis telemóveis.

Quanto à terapêutica, o principal desafio prende-se com a seleção da melhor estratégia para aquela pessoa em particular: existem já inúmeros medicamentos para a epilepsia, sendo fundamental para o sucesso terapêutico escolher o mais correto para o tipo específico de crises que a pessoa apresenta. Devem ser ainda avaliadas outras doenças associadas, ponderando possíveis efeitos secundários que os diferentes medicamentos possam apresentar, de forma a minimizá-los. Ainda na terapêutica, existe o desafio das pessoas que nunca chegam a ficar totalmente controladas apenas com um ou dois medicamentos (epilepsias ditas refratárias). Esses casos, que perfazem sensivelmente um terço dos doentes com epilepsia, obrigam-nos a pensar noutros tipos de soluções, incluindo dietas próprias (como por exemplo, a dieta cetogénica), cirurgia de resseção ou a implantação de alguns dispositivos, como o estimulador do nervo vago ou a estimulação cerebral profunda.

É importantíssimo que estas situações mais complexas sejam enviadas para centros de referência de epilepsia refratária que, em Portugal, existem nas cidades do Porto, Coimbra e Lisboa. Nestes centros os doentes são extensa e detalhadamente avaliados e discutidos em reuniões que envolvem profissionais de muitas especialidades diferentes (como a Neurologia, a Neurorradiologia, a Neurocirurgia, a Psiquiatria e a Neuropsicologia).

Ainda existem muitos mitos em torno da doença?

Existe ainda um forte estigma em relação às pessoas que têm epilepsia: persiste a crença de que estas pessoas não podem levar uma vida normal. Como já vimos, este preconceito é, na maior parte das vezes, absolutamente falso. Quanto a mitos, infelizmente existem muitos. Convidamos as pessoas a acederem ao site da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia para os conhecerem. Um muito enraizado é de que, quando se assiste a uma crise epilética, deve ser colocado um objeto ou a mão de quem assiste na boca da pessoa que está a ter a crise para “evitar que a língua se enrole”. Esta atitude não só não previne que a língua seja “enrolada” (o que é impossível), como pode levar a lesões da pessoa que está a ter a crise ou da pessoa que a procura socorrer. Em caso de crise é importante tentar manter a calma, afastar objetos que possam magoar a pessoa, se possível colocar algo macio (como um casaco ou camisola) debaixo da cabeça, aguardar que a crise termine e virar a pessoa de lado.

O que pensa de iniciativas como o Purple Day?

Na epilepsia, como em muitas outras doenças, são importantíssimas as iniciativas que partem das associações de doentes e seus familiares ou da comunidade em geral. São uma oportunidade para disseminar conhecimento, desconstruir mitos e aproximar as pessoas com epilepsia da sociedade civil, por um lado, mas também dos profissionais de saúde que as tratam.

“Esta aproximação ajuda-nos a encontrar lacunas na compreensão da epilepsia em Portugal e no mundo, com vantagem para todas as partes envolvidas.”

MJG/CG

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