
O Parlamento aprovou esta quinta-feira, na generalidade, a consagração da violação como crime público, permitindo que qualquer pessoa possa apresentar queixa, independentemente da vontade da vítima. A proposta do Bloco de Esquerda (BE) reuniu um apoio alargado das bancadas parlamentares, mas gerou divisão no Partido Socialista, onde 12 deputados votaram a favor e a restante bancada optou pela abstenção.
O diploma, apresentado pela deputada Mariana Mortágua, contou com os votos a favor do PSD, Chega, Iniciativa Liberal, Livre, CDS-PP, PAN, JPP e do próprio BE, tendo ainda obtido o apoio de doze deputados socialistas, entre os quais Pedro Nuno Santos, antigo secretário-geral do partido.
Na mesma sessão, foram discutidos e votados outros quatro projetos de lei com o mesmo objetivo, apresentados por diferentes partidos. A proposta do PAN foi igualmente aprovada, apesar da abstenção do PS, IL e PCP, enquanto o projeto do Chega também passou, ainda que com a abstenção de PS, IL, Livre, PCP e JPP.
Também o diploma do Livre foi aprovado, com os votos favoráveis das restantes bancadas parlamentares e dos mesmos 12 deputados socialistas. No entanto, uma iniciativa paralela do PAN, que visava alargar o prazo de prescrição do crime de violação, acabou por ser chumbada.
A decisão marca um momento decisivo no tratamento legal do crime de violação em Portugal, ao aproximar este crime da categoria de crimes públicos, como o homicídio ou violência doméstica, deixando de exigir que a queixa parta da vítima.
Contudo, a aprovação destes projetos foi acompanhada de reservas dentro do PS, cuja bancada optou por não travar as iniciativas, mas também não lhes deu apoio maioritário. Em reação ao resultado da votação, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, divulgou um vídeo a justificar a posição do partido, alegando que tornar a violação um crime público “retira à vítima o controlo sobre o processo penal”.
“O caráter automático de transformar este crime num crime público deixa a participação da vítima de fora”, sublinhou o dirigente do PS, defendendo que, apesar de admitir melhorias no relacionamento entre o Ministério Público e a vítima, é necessário trabalhar a especialidade dos diplomas antes da sua aprovação final.
Os projetos de lei agora aprovados baixam à comissão parlamentar, onde serão debatidos em sede de especialidade, com vista à sua integração nos Códigos Penal e de Processo Penal, e também ao reforço do estatuto da vítima.
A proposta representa uma mudança legislativa de elevado impacto social e jurídico, num momento em que o país debate amplamente as falhas de proteção às vítimas de crimes sexuais e os entraves legais à sua responsabilização. Com esta alteração, o Estado ganha maior margem de intervenção, mas levanta-se também a questão da autonomia da vítima no decurso do processo judicial.