
O debate parlamentar desta quarta-feira sobre os incêndios florestais, que já devastaram 250 mil hectares de território – “o equivalente a se todo o Luxemburgo tivesse ardido“, nas palavras de Inês Sousa Real (PAN) — ficou marcado por acusações políticas cruzadas, críticas à atuação do Governo e momentos de tensão, mas também pela ausência de uma questão: o cadastro das propriedades.
De acordo com dados oficiais do Balcão Único do Prédio (BUPi), consultados pelo Diário do Distrito em agosto de 2025, apenas 33% das propriedades estão identificadas, ou seja, 2 815 810 de um total de 8 640 774. Em termos de área, só 36% do território está registado, o que corresponde a 1 423 481 hectares de um universo de 3 946 555 hectares. Isto significa que o Estado não sabe a quem pertence mais de metade do território continental ou que as propriedades não estão delimitadas no terreno, situação que continua a comprometer qualquer resposta estrutural à prevenção dos incêndios.
O debate foi dominado pelas trocas de acusações entre partidos. André Ventura (Chega) acusou o Governo de “incompetência”, afirmando que “Portugal tem meios suficientes” e que “isto tem um nome: chama-se incompetência”. Inês Sousa Real (PAN) lembrou que “foram 250 mil hectares, é como se todo o Luxemburgo tivesse ardido”, denunciando ainda as condições precárias dos bombeiros voluntários que “recebem 13,5 cêntimos à hora para salvar vidas”.
Mariana Mortágua, deputada única do Bloco de Esquerda (BE) questionou a falta de coordenação na deslocação de meios e Mariana Leitão (Iniciativa Liberal) exigiu ação imediata, afirmando que “continua quase tudo por fazer” e que “a floresta não pode esperar mais, a população não pode esperar mais, o país não pode esperar mais”. Rui Tavares (Livre) criticou a lógica do sistema: “Temos um sistema que não faz nenhum sentido”.
O ex-ministro José Luís Carneiro (PS) esteve sob fogo cerrado, acusado de “impreparação” e “falta de humildade para ouvir”. Hugo Soares (PSD) recordou a ausência de Carneiro durante os piores dias dos incêndios: “Esqueceu-se de dizer onde estava enquanto o país ardia. Estava na festa da Sardinha em Portimão”. Apesar das críticas, Soares defendeu que “o Estado não falhou” e que “as estradas foram fechadas a tempo e horas”.
A tensão aumentou quando André Ventura acusou Mariana Mortágua de “fugir para Gaza quando os bombeiros mais precisam”, ao que a deputada respondeu em defesa da honra: “Há um povo a ser chacinado. Eu tomo partido. Estarei do lado da história de quem combateu o genocídio”. Luís Montenegro (PSD) tentou recentrar o debate: “Estamos aqui para evitarmos novas tragédias”.
Paulo Raimundo (PCP) acusou o Governo de ter “chegado tarde” e exigiu contratação imediata de pessoal para o combate aos incêndios, deixando a pergunta: “Estará a Assembleia disponível para enfrentar os grandes interesses económicos que levam os pequenos produtores às dificuldades?”.
O Juntos Pelo Povo (JPP), pela voz de Filipe Sousa, acusou a AD, suportada pelo PS e pelo Chega, de “ter posto em causa a confiança que os cidadãos têm no Estado”. Inês Sousa Real (PAN) voltou a acusar o Executivo de investir milhões de euros na defesa sem prever medidas concretas para a prevenção dos fogos e Mariana Mortágua dirigiu-se aos bombeiros e ao povo que combateu os incêndios, sublinhando falhas de coordenação.
Já o CDS defendeu o Governo, garantindo que “as ocorrências aumentaram em 60% e o despacho de meios aumentou 100%”. Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal, criticou o chumbo das propostas do seu partido para simplificar a legislação que regula os proprietários e acusou o Primeiro-Ministro de “incapacidade de resposta”.
Rui Tavares (LIVRE) voltou a insistir na necessidade de uma reforma do território, lembrando que “este não pode ser um debate sazonal”. José Luís Carneiro, do PS, acusou Montenegro de insensibilidade, afirmando que “devia ter adiado a festa do PSD no Algarve enquanto a população estava a sofrer” e comparou os números de reacendimentos, que segundo disse subiram de 4% nos governos socialistas para 9% na atualidade.
O debate teve ainda um momento caricato quando o líder socialista insistiu em falar depois de lhe ser desligado o microfone por ultrapassar o tempo, provocando confusão e risos no plenário, sobretudo da bancada do Chega. O episódio pode ser entendido como um desrespeito pelas populações das áreas afetadas pelos incêndios.
No fecho, Montenegro rejeitou as críticas do PS, afirmando que “é estranho que aqueles que tiveram o poder na mão se queixem daquilo que não executaram”. O Primeiro-Ministro assegurou que “ao nível da execução estamos a gastar mais 50%” e respondeu diretamente ao Chega: “Nós não vestimos casacos da proteção civil para as redes sociais”.
Reportagem de Diogo Alexandre e Nádia Pedro