Os dias seguintes à revolução de 25 de Abril continuam a fornecer histórias que vão surgindo até aos dias de hoje. João Manuel Fernandes, ex-militar, lembra-se da forma como ouviu falar do 25 de Abril no autocarro, da obrigação de continuar a aceitar ordens do seu comandante, que permanecia a rejeitar render-se ao MFA, assim como do destacamento para Angola pós-Revolução dos Cravos, devido aos conflitos nacionalistas nas ex-colónias.

O ex-combatente, agora com 74 anos, recorda-se do episódio de tensão, ocorrido na sua base militar na Trafaria, em Almada, devido à teimosia do seu comandante, que levou a uma intervenção peculiar, sem meias palavras.

Como explicou João, nos dias após a queda do Estado Novo, ainda havia muitos quartéis que não tinham aderido à Revolução, ficando do lado de Salazar. O seu quartel, o Batalhão de Reconhecimento das Transmissões (BRT), na Trafaria, foi um deles.

A 26 ou 27 de abril, na altura com 22 anos, o Sr. João encontrava-se reunido em parada juntamente com o resto do batalhão. Foi quando um militar, de nome Vítor Alves, do lado do MFA, acompanhado por outros homens, entrou pela base adentro e foi ao encontro do grupo. À frente do comandante, o militar, já falecido, foi claro na sua intenção:

Ou vocês rendem-se até amanhã ao meio-dia, ou a gente arrasa esta merda toda.”, anunciou.

As palavras foram proferidas à frente dos homens da base e do comandante. Entregue a mensagem, para alívio dos miliates, o processo de rendição oficial, aceite, ainda teve de passar por alguns passos burocráticos:

Não sei se sabem”, explica João, “mas um capitão não se pode render a alguém de posição inferior, por exemplo. Tem que ser alguém de posição igual, ou acima.”, disse.

João já não tomou conta do resto da história, mas sabe que foi necessária a participação de um militar hierarquicamente superior, para oficializar a rendição do seu comandante.

Entusiasmado com esta recordção, e aproveitando que as “muitas histórias” começaram a vir ao de cima, o ex-combatente, que agora habita num lar em Setúbal, diz que gostaria de ter ficado com mais fotos dos anos de serviço passados pela Marinha e pelo Exército. Dentro das boas recordações, que não correm risco de serem esquecidas, guarda zelosamente o momento em que recebeu a novidade — o fim da ditadura — enquanto viajava de autocarro para ir “namorar” a mulher, e mãe dos seus filhos.