Sim, estivemos com Oliveira Salazar. Sentámo-nos com ele. A cadeira era dura e a sala fria. Queríamos perceber o fascínio que ainda hoje alguns jovens sentem pelo ditador.
Pensávamos nas grandes obras públicas. Lembrámo-nos do Estádio Nacional, construído em plena Segunda Guerra, da barragem de Castelo de Bode, tão importante durante o “apagão” e que, ainda hoje, molha as escovas de dentes de alguns destes meninos que estudam em Lisboa. A resposta foi desconcertante: “há quem admire a forma como mantive o país pequeno… pequeno de espírito”.
Apresentou-nos, depois, todo o processo. Garantiu-nos que realizava eleições, “tão livres como na livre Inglaterra”, mas apenas com um candidato. O Secretariado da Propaganda Nacional assumia o papel que, hoje, muitos desempenham escondidos atrás de perfis falsos ou de uma objetiva fotográfica. Tudo para promover o Portugal “criado” pelo grande líder, uma cópia pouco fiel do seu grande ideólogo… na época era Mussolini o seu modelo. Esta ideia de Estado era tão boa que parecia que quase ninguém se queixava. Os “revolucionários” eram convidados, pelos agentes da PIDE, a entrar pelas portas do “ostracismo”! Pobres homens, sujeitos a trabalho tão sujo… E havia o lápis azul, que agora tem outra cor. Sempre pronto reescrever a história e as “estórias”, a aparar as arestas da realidade e a decidir o que Portugal podia ou não saber. A cores, só mesmo o televisor do outro lado da fronteira que, segundo o Jornal do Fundão, já brilhava mais do que a nossa própria esperança. Pelo meio, havia ainda a Legião Portuguesa, esse grupo de senhores de barriga farta pelo copo de vinho que matava a fome a um milhão de portugueses. Todos eles armados de deveres e… obrigações. Uma espécie de escuteiros crescidos, de obediência cega, sempre atentos e prontos a bater continência à ordem.
Mas o que nos inquieta é a desconfiança na separação de poderes, característica essencial do Estado de Direito. Para eles, o povo não precisava de justiça, precisava de estabilidade. Um autarca déspota valia mais do que um juiz liberal. Discussão inútil! Havia sempre festas para organizar, convívios para controlar e, claro, contas para gastar, mesmo que fossem por conta.
Ainda relativamente à nossa foto com Salazar, é óbvio que perdoamos os meninos que a divulgaram nas redes sociais. Infelizmente, “eles não sabem nem sonham que, sempre que um homem (ou uma mulher) sonha, o mundo pula e avança…” A sua formação política impede-os de compreender a importância de organizações mais livres do que a Mocidade Portuguesa. Um clube com um nome tão limpo, tão casto… Um exército de meninos bem-comportados, ensinados a amar a Pátria, a temer o comunismo e a ajoelhar-se sempre que o “salvador da nação” passava… ainda que fosse apenas num retrato na parede. É por isso que muitos apenas sabem ler éditos, boletins oficiais e louvores ao chefe. Sempre sem desconfiar de nada, para não questionar. Isso era coisa de perigosos professores… alguns de Filosofia, outros de História… e até de Música. É pena! Todos ficaríamos a ganhar se estes jovens fizessem mais política na sua vertente mais nobre, em vez de se preocuparem com o aspeto gráfico dos autos-de-fé criados na rotunda do Kredo para quem votou contra as portagens ou das montagens históricas divulgadas nas redes sociais. Curiosamente, até têm a tarefa facilitada. Sabiam que:
1. O Município do Fundão perdoou um total de 300 mil euros em dívidas porque alguém considera que o recurso a tribunal é “um expediente desprezível e indigno”?
2. Durante anos, o Município recusou recorrer a este “expediente desprezível e indigno” para garantir que a empresa responsável pela recolha dos resíduos cumprisse as suas obrigações e prestasse um serviço de qualidade?
3. O transporte a pedido não tem sido um “estrondoso sucesso”, como sugerido em algumas entrevistas. Para o confirmar, basta ouvir os cidadãos que manifestaram o seu descontentamento em reuniões públicas do executivo municipal.
4. A visão para a política desportiva do concelho contribuiu para a perda de 40% das equipas de futsal?
5. A política de acolhimento que tantos contestam, ainda que de forma sub-reptícia, tem garantido o sucesso e a viabilidade não só de empresas internacionais nas áreas das novas tecnologias e dos polimentos, mas também de empresas familiares, incluindo a de um elemento que integra a lista à vereação que vós, legitimamente, apoiais?
E isto é apenas um ponto de partida para uma verdadeira reflexão que se exige. Mas isso fica para outras calendas.
PS: Termino aproveitando a oportunidade para deixar um convite a alguns jovens. Com a chegada de mais um ano letivo, venham assistir a uma das minhas aulas. Não são apenas momentos de transmissão de conhecimento, são espaços vivos de irreverência, pensamento crítico e de promoção dos valores de «Abril» que ainda teimam em resistir.
Para os mais cépticos, deixo um desafio: perguntem às centenas de alunos do concelho que já me conheceram como professor. Eles sabem que aqui não se ensina apenas o programa, aprende-se a pensar… com humor e respeito!
NOTA: publicado na sequência de uma montagem levada a cabo pela JSD do Fundão que colocava os candidatos da Comunidade com Força reunidos com Salazar.
Artigo de opinião de Sérgio Mendes