A manhã nasceu serena, mas carregada de emoção. Neste sábado, dia 14 de junho, a cidade de Águeda parou para lembrar uma ferida que, passados 39 anos, continua aberta no coração da comunidade: a tragédia da serra de Águeda, que ceifou a vida de dezasseis homens, entre eles nove bombeiros voluntários de Águeda, quatro de Anadia e três civis, numa das páginas mais negras da história do socorro em Portugal.

Uma madrugada que nunca se esquece

Na madrugada de 13 para 14 de junho de 1986, o céu da serra iluminou-se com o brilho violento das chamas. A paisagem escura foi engolida por um incêndio de proporções catastróficas, alimentado por ventos traiçoeiros e por uma conjugação fatal de falhas nos meios de combate. O fumo não abafou apenas o ar: abafou sonhos, cortou vidas e deixou um silêncio ensurdecedor.

Ali estavam homens simples, pais, filhos, irmãos. Eram voluntários — os que partem sem saber se regressam, os que respondem ao apelo com o coração e não com salário. Avançaram sem hesitação, enfrentando o fogo com o pouco que tinham. Mas o pouco não foi suficiente. Morreram no cumprimento do dever, envolvidos numa tempestade de chamas, desorientação e falta de meios.

Quando Portugal despertou na manhã seguinte, trazia nos ombros o peso de uma tragédia coletiva. E Águeda nunca mais foi a mesma.

Celebração dos 39 anos: o tributo da memória

Este sábado, 14 de junho de 2025, a cidade voltou à serra. Famílias, bombeiros, autarcas e anónimos reuniram-se junto ao memorial erguido no local da tragédia, onde estão inscritos os nomes dos que tombaram. A cerimónia, marcada pelo silêncio e pela solenidade, incluiu uma deposição de flores, leitura dos nomes dos falecidos e um minuto de silêncio comovente, interrompido apenas pelo som do vento entre as árvores e o soar discreto de uma sirene em homenagem.

Na cerimónia estiveram presentes representantes dos Bombeiros Voluntários de Águeda e de Anadia, elementos da Proteção Civil, membros do executivo municipal, entre os quais o presidente da Câmara, Jorge Almeida, que deixou palavras carregadas de respeito e responsabilidade:
“Há datas que o tempo não apaga. E há feridas que nem o silêncio dos anos consegue sarar. Hoje não celebramos a morte, mas sim a coragem e o legado daqueles que partiram por nós.”

Nomes que não se apagam

BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ÁGUEDA
– Abel Ferreira
– António Soares
– António Jesus
– Fernando Ferreira
– Fernando Lemos
– Joaquim Neves
– José Monteiro
– Manuel Almeida
– Raul Rodrigues

BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ANADIA
– Manuel Luís Pinheiro
– Armindo Heleno
– Jorge Santos
– José Rolo

CIVIS
– Francisco Silva
– Jorge Gonçalves
– Manuel Marques

Cada nome lido foi acompanhado por um olhar molhado, uma cabeça inclinada, um coração apertado. Porque em cada um destes nomes vive uma história, um sacrifício, um amor à comunidade que não se apagará.

O dever da memória

Trinta e nove anos depois, a tragédia da serra continua a ensinar. Foi um marco na história da proteção civil em Portugal e um alerta sobre a necessidade de melhores meios, formação, planeamento e segurança para quem protege os outros.
Mas mais do que isso, é um exemplo de altruísmo sem medida.

Em Águeda, junho nunca é só mais um mês. É o mês em que a cidade se lembra. Em que sobe à serra não para reviver a dor, mas para renovar a promessa de que nenhum dos seus será esquecido.

E enquanto houver memória, os heróis da serra viverão — não nas cinzas, mas na coragem de cada bombeiro que parte em missão.