Setúbal. 10h00. O dia está solarengo e calmo. A maré está vazia. «Com a maré vazia os golfinhos estão lá fora. Eles só entram no estuário com a maré cheia. Temos de sair para os ver», começa por nos explicar Bruno Russo, proprietário de uma escola náutica em Setúbal, mas que hoje está em missão pela campanha ‘Proteger os Golfinhos’, uma iniciativa da Tróia Natura em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), para sensibilizar os que navegam nas águas do Sado para os cuidados a ter com a população de golfinhos-roazes que vivem nestas águas.

A embarcação parte de Setúbal, cruza rapidamente o estuário do Sado em direção à foz, deixando também Tróia para trás. De olhos postos no Atlântico, a maré está realmente baixa, não tem mais de três metros de profundidade e as águas límpidas em tom esverdeado deixam ver o fundo de areia com clareza. É aqui que encontramos as embarcações turísticas. É sinal de que os golfinhos estão por perto. E eles não demoram a aparecer. É precisamente agora que atua a equipa desta iniciativa, composta por dois elementos num bote. A equipa aborda as embarcações particulares, sensibiliza-as para o código de conduta que é necessário seguir na observação de golfinhos e entrega um panfleto informativo sobre a comunidade de 29 roazes corvineiros que habitam estas águas, sendo única no país e uma das três únicas colónias residentes em estuários na Europa.

Em patrulha para proteger os golfinhos do Sado
No Estuário do Sado vivem 29 roazes corvineiros

No mês de agosto, altura em que há mais embarcações de recreio no estuário, a equipa atua de quinta-feira a domingo, de manhã e à tarde. Nos meses de junho, julho e setembro, as abordagens são feitas aos fins de semana e feriados. Ao mesmo tempo que sensibilizam as pessoas, a equipa aproveita para registar o que os golfinhos estavam a fazer, ajudando desta forma a criar conhecimento sobre a comunidade de roazes residente.

Realizada desde há sete anos, esta campanha tem alcançado resultados muito positivos, segundo a organização, tendo só a campanha de 2019 atingido mais de 12 mil pessoas. «O balanço é positivo. Nós vemos que há uma tendência crescente ao nível da sensibilização das pessoas para a importância de cumprir o código de conduta. Se nos primeiros anos a maior parte das pessoas não conhecia as regras que era necessário cumprir na aproximação aos golfinhos, hoje em dia vemos que cada vez mais as pessoas já as conhecem e, portanto, esta iniciativa tem tido um papel importante na divulgação dessas boas práticas», conta Célia Ferreira, responsável da Tróia Natura, entidade vocacionada para a promoção e execução de ações de conservação e monitorização ambiental no estuário do Sado.

Há, no entanto, embora raras, algumas pessoas que não cumprem as regras de observação estipuladas no código de conduta. Neste caso, a equipa, que não tem poder fiscalizador, reporta o sucedido às autoridades competentes, nomeadamente ao ICNF e à Polícia Marítima. No entanto, sabe o SAPO, até ao momento, a Polícia Marítima não autuou qualquer embarcação que tenha infringido as regras.

Em patrulha para proteger os golfinhos do Sado
Equipa da campanha ‘Proteger os Golfinhos’ a abordar uma embarcação para a ação de sensibilização

Nos meses de verão, altura em que as atividades turísticas e de recreio náuticas são mais expressivas, com um maior número de embarcações e um maior número de saídas para observação de golfinhos, a importância desta iniciativa acentua-se. Por um lado, a campanha Proteger os Golfinhos permite alcançar mais pessoas com uma mensagem em prol da sustentabilidade desta população, por outro permite identificar e prevenir comportamentos de risco que a possa colocar em causa.  Existem períodos críticos em que os golfinhos são particularmente vulneráveis, podendo a presença humana alterar os seus comportamentos, como por exemplo em períodos de gestação das fêmeas e aquando da adaptação das respetivas crias ao meio.

Por ser residente e com padrões de comportamento conhecidos, esta é uma comunidade de golfinhos muito fácil de encontrar. A população está estável e conta atualmente com 29 indivíduos.  Um adulto pode chegar aos 4m de comprimento e atingir os 600kg, tendo uma esperança de vida de 40 a 50 anos. Os golfinhos roazes alimentam-se sobretudo de peixes, chocos, lulas e polvos, recorrendo ao seu sistema de ecolocalização para a captura.

O código de conduta, que pode ver abaixo, é um conjunto de regras a seguir para que todos possam observar os golfinhos em segurança, uma vez que uma navegação descuidada pode impedir o descanso, a alimentação, socialização e reprodução e, ainda, interferir na comunicação entre eles. Foi criado no sentido de evitar perturbá-los e garantir a sua permanência no estuário.

 Vídeo: golfinhos em movimento no estuário

CÓDIGO DE CONDUTA

  1. Evite mudanças bruscas de velocidade, direção e sentido no rumo da sua embarcação;

  2. Não exceda a velocidade de deslocação dos animais;

  3. Mantenha um rumo paralelo e pela retaguarda dos golfinhos, de modo a que estes tenham um campo livre de 180º à sua frente;

  4. Posicione a sua embarcação num sector de 60º à retaguarda dos golfinhos;

  5. Evite fazer ruídos na proximidade dos roazes, que os perturbem ou atraiam;

  6. Esteja atento à aproximação de outros golfinhos;

  7. Não permaneça mais de 30 minutos na proximidade de um grupo de golfinhos;

  8. É proibida a aproximação ativa a menos de 30 m de qualquer golfinho – devemos deixar que sejam eles a aproximar-se de nós;

  9. É proibida e permanência de mais de 3 embarcações num raio de 100 m em redor dos golfinhos;

  10. É proibido perseguir ou provocar a separação de grupos de golfinhos, especialmente o isolamento das crias;

  11. É proibido alimentar, tocar e nadar com os golfinhos;

  12. É proibida a aproximação aos golfinhos cuja proximidade à costa condicione os seus movimentos relativamente à embarcação;

  13. É proibida a utilização da marcha à ré na proximidade de um grupo de golfinhos, salvo em situações de emergência;

  14. É proibida a utilização de jet-skis, motos de água e veículos afins na observação de golfinhos.