
De acordo com o programa do festival francês, a coreógrafa Marlene Monteiro Freitas, como artista cúmplice desta edição, inaugura a programação com "Nôt", no Pátio de Honra do Palácio dos Papas, espectáculo que ficará em cena até dia 11.
Inspirado em as "Mil e Uma Noites", obra-prima da literatura árabe, língua convidada desta edição, "Nôt" traduz o ato de sobrevivência que a obra representa.
"Enraizados na tradição oral, estes contos conservam a energia de histórias que circulam constantemente e são sempre reinventadas. A coreógrafa cabo-verdiana traduz este fluxo de palavras -- entrelaçadas, contraditórias, incessantes -- em movimento, transformando o palco num espaço onde o vício e a virtude, o grande e o pequeno, o desejo e a sua sombra se entrechocam. [...] 'Nôt' acrescenta mais uma noite ao infinito", lê-se na apresentação da obra.
O ator, encenador e dramaturgo português Tiago Rodrigues, diretor artístico do festival, por seu lado, estreará a sua nova peça, "La distance", um dos momentos mais esperados do certame. A obra terá 17 representações, nos dias 07 a 26, no L'Autre Scène du Grand Avignon.
A ação de "La distance" passa-se em 2077, quando "a humanidade luta para sobreviver, atormentada pela precariedade económica e pelas consequências das mudanças climáticas", com "parte da população exilada em Marte". De regresso à Terra, segundo a sinopse, e mantendo as preocupações universais, "um pai esforça-se para manter um relacionamento com a sua filha que foi para o Planeta Vermelho."
O espetáculo decorre num "cenário distópico, mas não improvável", no qual Tiago Rodrigues "explora as consequências das nossas escolhas, assim como a possibilidade de comunicação entre gerações."
O dramaturgo e encenador "coloca dois mundos frente a frente e imagina o seu diálogo em órbita como uma série de ligações interurbanas."
A interpretação vai ser dos atores Adama Diop e Alison Dechamps, "num dispositivo interplanetário em rotação, como dois astros apanhados no seu percurso que se aproximam e se afastam."
"La distance", peça falada em francês e legendada em português, produzida com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian Paris, iniciará em Avignon uma digressão internacional por estruturas coprodutoras da obra, que incluem o festival checo Divadlo e o teatro Plovdiv da Bulgária, o Théâtre Vidy-Lausanne, o Centro Dramático de Madrid e o Teatro Lliure de Barcelona, o Onassis Stegi de Atenas, o Piccolo Teatro de Milão, além de uma dezena de palcos franceses e a portuguesa Culturgest.
Na programação de Avignon, destaca-se ainda "Le procès Pelicot", uma coprodução dos festivais de Viena e de Avignon, dirigida por Milo Rau, de homenagem a Gisèle Pelicot, que durante anos foi drogada, violada e transacionada pelo ex-marido, Dominique Pelicot, condenado à pena máxima em dezembro passado, num processo que também sentenciou outros 50 homens.
O espetáculo cumpre a declaração de Gisèle: "A vergonha tem de mudar de lado". "Com estas palavras e com a sua decisão de tornar público o julgamento, Gisèle Pelicot tornou-se um símbolo da luta contra a violência sobre as mulheres", descreve a sinopse de "Le procès Pelicot".
"O caso de violação de Mazan mostra como, nesta pequena cidade do sul de França, homens comuns de todas as idades e classes sociais foram capazes de cometer um crime desumano: a violação repetida de uma mulher inconsciente."
"Le procès Pelicot", em cena no dia 18, apresenta "leituras de interrogatórios, súplicas e comentários sobre o caso histórico", numa investigação feita junto de "advogados da família Pelicot, do tribunal, de especialistas em psicologia, taquígrafos, testemunhas e associações feministas, para relatar o julgamento de um sistema: o patriarcado."
"Le procès Pelicot", que já pôs o público austríaco em choque numa antestreia em Viena, em maio, será apresentado dia 18, no Cloître des Carmes, em Avignon.
Outra encenação de Milo Rau, nome também recorrente no Festival de Almada, "La lettre", também estará em cena de 08 a 26 de julho. A peça parte de histórias familiares de jovens artistas para explorar os acontecimentos que mudam o curso de uma vida e que, segundo o programa, "é um manifesto do que pode ser o teatro popular hoje."
A área da dança acolhe a produção portuguesa "Coin Operated", da dupla Jonas & Lander, produzida pela Sinistra Associação Cultural, com a BoCA -- Biennial of Contemporary Arts. Será apresentada nos dias 08 a 12 de julho.
Na dança, destaca-se em particular a produção franco-belga "Brel", em que os coreógrafos Anne Teresa De Keersmaeker e Solal Mariotte se socorrem das canções de Jacques Brel, "num duo intenso, inspirado pela poesia, os gestos e a expressividade do artista belga." Estará em cena de 06 a 20 de julho.
Abrangendo dança, música, canto e teatro, a ópera "Les incrédules", pelo encenador francês Samuel Achache, será apresentada nos dias 22 a 25, na Grande Ópera d´Avignon.
"Les incrédules", em que o encenador combina atores, cantores e uma orquestra de 52 elementos, é um espetáculo "onde o improvável se cruza com o trágico", segundo a sua apresentação. Achache apresentou no ano passado, no Festival de Almada, a peça "Sans tambour", com o Théâtre des Bouffes du Nord & La Souder.
A cantora Mayra Andrade levará o concerto "reEncanto" ao Pátio de Honra do Palácio dos Papas, no dia 12, e o DJ e produtor Branko (João Barbosa) responderá pelo concerto de encerramento do festival, no dia 26, em La FabricA.
Ao todo, Avignon inclui este ano 300 apresentações de 42 produções, das quais 32 são estreias. A programação é "rigorosamente equilibrada em termos de género", como afirmou o diretor artístico, Tiago Rodrigues, no anúncio da programação, no início de abril.
O encenador alemão Thomas Ostermeier, que estará no Festival de Almada com "History of Violence", de Édouard Louis, e com "O Pato Selvagem", de Ibsen, em Avignon; o suíço Christoph Marthaler com "Le Sommet", a sua nova obra; "O Sapato de Cetim", de Paul Claudel, na leitura do diretor da Comédie-Française, Eric Rufe; e a revisitação da "dramaturgia radical" do Théâtre du Radeau, de François Tanguy (1958-2022), são outras propostas da programação de Avignon.
Quando do anúncio do festival deste ano, Tiago Rodrigues sublinhou que "mais de metade dos artistas [58%] participam pela primeira vez" no festival, dando como exemplo a coreógrafa dinamarquesa Mette Ingvartsen, com "Delirious Night", e o artista multidisciplinar albanês Mario Banushi, com "Mami".
Na sexta-feira, dia 04, Avignon fará uma pré-apresentação de "Nôt", de Marlene Monteiro Freitas, e de "They Always Come Back", da coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen, para residentes locais, organizações educativas, sociais e médico-sociais.