A hipocondria é uma perturbação rara, mas cada vez mais comum, muito por culpa da era digital e do acesso a cada vez mais informação. Assim o afirma Inês de Matos Ferrão, psicóloga no Hospital Lusíadas Monsanto, que assina o artigo que o Lifestyle ao Minuto apresenta abaixo:

Numa era em que a saúde se encontra ao alcance de um clique, em que qualquer sintoma é pesquisado em segundos, originando interpretações e diagnósticos muitas vezes alarmistas antes mesmo de uma consulta médica, o medo constante de adoecer tornou-se uma preocupação presente que atravessa o nosso dia a dia. A hipocondria, que outrora era vista como uma condição rara, assume hoje contornos cada vez mais subtis, muitas vezes camuflados sob o disfarce de 'prevenção'. Mas a questão que se coloca é: até que ponto o cuidado com a saúde deixa de ser um ato racional e se transforma numa verdadeira prisão mental?

A hipocondria caracteriza-se por um medo persistente e excessivo de estar gravemente doente, mesmo na ausência de sintomas significativos ou apesar da tranquilização médica. Os estudos mais recentes indicam que a hipocondria, ou a Perturbação de Ansiedade de Doença, afeta entre 1% e 5% da população mundial, sendo igualmente prevalente entre homens e mulheres. Em Portugal, estima-se que entre 4% e 9% da população sofra desta perturbação, representando cerca de um milhão de pessoas. Esta realidade reflete um paradoxo na sociedade contemporânea: enquanto a medicina preventiva tem contribuído decisivamente para a melhoria da qualidade de vida, o aumento da longevidade e a deteção precoce de doenças, o excesso de zelo com a saúde pode, na realidade, ter o efeito oposto. A preocupação excessiva com o estado físico pode se transformar numa obsessão, criando um ciclo vicioso em que a vigilância constante sobre o corpo e os sintomas se tornam mais prejudiciais do que benéficos.

De facto, a hipervigilância, que se manifesta na monitorização constante do corpo e na leitura ansiosa de qualquer sinal físico, pode facilmente escalar para um comportamento obsessivo. A repetição excessiva de exames médicos – muitas vezes desnecessários – não traz benefícios, como também pode gerar um sofrimento psicológico significativo. O hipocondríaco não é apenas alguém que teme estar doente: é alguém cuja vida fica marcada por esse medo constante. O pensamento obsessivo sobre doenças, frequentemente alimentado por autodiagnósticos feitos na internet, impede a pessoa de viver com tranquilidade, afetando a sua vida social e profissional de forma profunda. Ironicamente, ao tentar evitar o sofrimento físico, acaba-se por criar um sofrimento mental ainda mais intenso.

Notícias ao Minuto © Inês de Matos Ferrão

A chave para a prevenção saudável é a educação. Prevenir doenças é crucial, mas é necessário fazê-lo com consciência. Conhecer o corpo, escutar os sinais que nos transmite, mas sem cair na armadilha do alarme constante. A informação sobre saúde deve ser encarada como uma aliada, mas o excesso de dados, descontextualizados e sem filtro, pode rapidamente tornar-se um inimigo. Saber quando consultar um profissional de saúde, confiar nos especialistas e, sobretudo, resistir à tentação de pesquisar obsessivamente no Google cada pequeno sintoma — tudo isto faz parte do processo de maturidade emocional e de autocuidado que devemos ter.

A saúde não deve ser uma obsessão, mas uma prática equilibrada e consciente. Cuidar de si mesmo é, sem dúvida, essencial, mas viver permanentemente com o medo de adoecer, na procura incessante por uma perfeição inatingível, é, paradoxalmente, adoecer de uma outra forma: pela mente. O equilíbrio é o verdadeiro pilar de uma vida saudável – tanto física quanto mental.